O
NÚMERO TEM AUMENTADO A CADA ANO
João, policial do Batalhão de Choque,
suicidou-se dentro da unidade, aos 32 anos. Descrito pelos amigos como extrovertido,
comentou com eles, certo dia, que tinha problemas e estava separado da mulher.
Matou-se no mesmo dia e deixou duas cartas, uma para ela e uma para o pai.
Regina, de 27 anos, tinha o sonho de
entrar para a polícia. Era solteira, não tinha filhos e morava sozinha.
Matou-se com um tiro na cabeça, dentro de casa.
Os nomes citados acima são fictícios, mas
as histórias são reais.
SENTIMENTO
DE DESVALORIZAÇÃO
“O primeiro processo que você sofre é a
perda da sua sensibilidade. Por exemplo, o colega morreu domingo de manhã,
segunda-feira foi o enterro dele, né? E tá todo mundo trabalhando normalmente.
A vida continua? A vida continua. Mas é tratado só como número.”
(policial militar, serviço operacional)
ESTUDO
Pesquisas acadêmicas apresentadas no 9º
Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Rio, jogaram luz sobre um
tema ignorado nas estatísticas oficiais de violência: o suicídio de policiais
militares, civis e federais brasileiros.
Encarregados de salvar e proteger
cidadãos, policiais pensam na própria morte como saída para uma rotina marcada
pelo alto estresse, pelo risco, pelo afastamento da família e pela convivência
com o lado mais sombrio da vida – crime, tráfico, pedofilia e perdas constantes
dos companheiros de trabalho.
Uma das pesquisas, realizada pelo
Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro), entrevistou 224 policiais militares do Rio de Janeiro. Deles, 22, ou
seja, 10%, declararam ter tentado suicídio. Pelo menos 50 disseram ter pensado
em suicídio em algum momento da vida.
Todos foram voluntários a participar da
pesquisa.
A pesquisa Suicídio e Risco Ocupacional
na PM do Rio de Janeiro começou em 2011, como atividade de pós-doutorado da
professora Dayse Miranda.
“Quando começamos a pesquisar, só
conseguimos autorização do comando da PM porque havia certeza de que o problema
não existia. Agora estamos trabalhando em parceria com o comando e temos todo
apoio”, relata Dayse Miranda, que coordenou a pesquisa.
"Os policiais relatam profundo
sofrimento psíquico, tristeza, tremores, sentimento de inutilidade. Muitos
confessam que usam drogas lícitas e às vezes ilícitas. Os policiais se sentem
constrangidos em admitir isso. Muitas vezes o médico que o atende é de patente
superior, então ele não vê ali o médico, vê o oficial", conta a
pesquisadora.
Segundo ela, os dados indicam que a taxa
de suicídio entre PMs é 3,65 vezes a da população masculina e 7,2 vezes a da
população em geral. A taxa de sofrimento psíquico revelada pela pesquisa do
Claves, que se transformou em livro, foi de 33,6% na PM e 20,3% na Polícia
Civil.
CONSTATAÇÃO
Com base nas entrevistas dos 224
policiais e nos diagnósticos com as famílias de 26 policiais suicidas, os
pesquisadores elencaram possíveis fatores para o sofrimento psíquico,
culminando nas tentativas de suicídio e no suicídio em si.
Esses fatores incluem: rotina de
agressões verbais e físicas (perseguições/amedrontamento, abuso de autoridade,
xingamentos, insultos, humilhações); insatisfação com a PM, no que concerne a
escala de trabalho, infraestrutura, treinamento, falta de reconhecimento
profissional, falta de oportunidades de ascensão na carreira e desvalorização
pela sociedade; indicadores de depressão variados e problemas de saúde física.
"Vemos uma interface de tensão entre
o mundo do trabalho, onde o policial está sujeito a relações abusivas, e o
mundo fora do trabalho, onde o policial doente reproduz relações violentas.
Tudo isso num contexto em que o policial tem acesso a uma arma, o que facilita
qualquer ato violento. Outros profissionais também têm problemas no trabalho.
Mas não têm uma arma na cintura", analisa Dayse Miranda, coordenadora da
pesquisa e organizadora do livro.
FONTE:
BBC
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