Sou coordenador da Igreja Presbiteriana Viva no Níger, país da África Ocidental. Nossas duas igrejas foram invadidas, saqueadas e incendiadas por radicais islâmicos. A cristofobia nos fortalecerá
EM DEPOIMENTO A VINÍCIUS GORCZESKI
Foi por volta das 3 horas da tarde do sábado 17 de janeiro. Um barulho ensurdecedor ganhou vida lá fora, como se um helicóptero voasse baixo. Era, na verdade, uma manifestação de muçulmanos radicais que passava em frente a minha casa. Eles gritavam e corriam. Haviam acabado de invadir, quebrar e incendiar uma igreja aqui perto de onde eu moro, em Niamey, capital do Níger, país da África Ocidental. Como os muros da minha casa são altos, eu não via nada, mas minha família e eu ouvíamos os estrondos. Só conseguia pensar nas mensagens que recebia de amigos pastores daqui e do Brasil, que avisavam: “Não saia de casa! Há uma manifestação anticristã nas ruas. É perigoso”.
Eu, um missionário brasileiro presbiteriano, nunca imaginei que os tumultos na capital do Níger naquele momento fossem um desdobramento do atentado terrorista em Paris, em 7 de janeiro. Naquele dia, dois homens fortemente armados invadiram a redação da revista francesa Charlie Hebdo, famosa por desenhos satíricos do profeta Maomé que irritaram boa parte da comunidade muçulmana. No atentado, mataram 12 pessoas. O presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, foi um dos seis líderes de países africanos a participar de uma marcha em Paris em sinal de solidariedade aos mortos, no dia 11 de janeiro. Mais de 95% da população nigerina é muçulmana. O ato de Issoufou enfureceu muitos de meus vizinhos. Foi algo que eu descobriria naquele sábado, três dias depois que outra edição do Charlie Hebdo trouxe um desenho do profeta Maomé em que ele segurava um cartaz com os dizeres: “Eu sou Charlie”. O título, irônico, dizia: “Tudo está perdoado”. Não para os radicais.
Aqui no Níger, eu coordeno as duas igrejas da Igreja Presbiteriana Viva, com sede em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Minha família e eu somos um alvo fácil para qualquer radical muçulmano. Assim, por dois dias depois do sábado, restou-me o isolamento. Ao deus nos acuda do sábado, seguiu-se um silêncio. Parecia o fim do pavor, mas a tensão e o medo de novas ameaças cresciam. As janelas e portas de minha casa continuaram fechadas a cadeados. Lá, me escondi com minha mulher e meus dois filhos e um casal de amigos brasileiros com seu filho. Eles trabalham para uma ONG cristã, cuja sede os radicais islâmicos ameaçaram incendiar e destruir. Meus filhos, pequenos, captavam em nossos rostos desolados o sentimento de medo. Preocupava-me saber se meus amigos cristãos estavam bem. Do Brasil e de vizinhos, eu recebia mensagens de conforto. Deus sabe o que faz, diziam.
A coragem para sair de casa veio na segunda-feira. De manhã, tomamos um carro e saímos todos para conferir a que estado foram reduzidas nossas igrejas. Evitamos as ruas principais, onde eu supunha que poderíamos deparar com radicais anticristãos. Nossa igreja mais próxima estava parcialmente destruída e queimada. Imagino que alguns rebeldes carregaram cadeiras, portas, armários. Outros removeram as janelas e os ventiladores. Os mais ousados arrancaram o chão. Empilharam tudo em frente à igreja. Quando cheguei lá, vi que tudo fora reduzido a cinzas. Restaram apenas um fogão e uma geladeira intactos. A mim, sobrou a tristeza.
A destruição foi ainda maior em nossa sede. Ali, não houve piedade. A igreja foi queimada por dentro. Não sobraram lâmpadas, ventiladores, geladeira ou fogão. Numa casa anexa à igreja, que também nos pertence e onde moravam alguns zeladores, nos roubaram tudo. O fogo destruiu o resto. Da igreja, sobrou apenas a cobertura. Da casa, os muros. Os zeladores salvaram-se porque saíram antes que os manifestantes chegassem. Enquanto avaliávamos a catástrofe, um pastor me contou que dois muçulmanos haviam morrido no caos. Mas o número deve ser maior. Também fui informado de que, naquele sábado, mais de 40 igrejas cristãs haviam sido invadidas, depredadas, saqueadas e incendiadas.
Pelas ruas da cidade, não ficou de pé nenhum restaurante, bar ou escola que fosse ligado aos cristãos ou à França. O Níger foi uma colônia francesa até 1960. De resto, os nigerinos muçulmanos pareciam continuar a tocar a vida como se nossas igrejas destruídas fossem um mero detalhe mórbido. Houve mais indiferença em relação a nossa sorte. Do governo do Níger, não veio nenhuma ajuda ou palavra de solidariedade como o líder Issoufou prestara à França dias antes. Foi por medo?
Desde que estou aqui, nunca vira uma revolta tão assombrosa e violenta como esta. Esta é a segunda vez que moro no Níger. Antes de vir para cá pela primeira vez, em setembro de 2001, passei por uma longa preparação cultural no Brasil. A maior lição que aprendi foi trabalhar em conjunto e jamais fazer qualquer coisa sozinho. Depois de dois anos, voltei ao Brasil para que minha mulher, Telma, desse à luz Débora, minha primeira filha. Em 2005, voltei à África, onde me estabeleci no Mali durante quatro anos. Tive momentos maravilhosos lá, como o nascimento do meu filho, Djalma José. Em 2009, voltei ao Níger para nunca mais querer voltar. Até agora, havíamos sido felizes aqui. Sempre soube que seria uma missão árdua trazer a palavra de Jesus à África. Menos pela adaptação ao calor desértico que bate os 50 graus célsius na média. Ou pela pobreza e pela dificuldade em pregar em francês, o idioma oficial do Níger. Mas sobretudo pela realidade religiosa da África.
Pelas ruas da cidade, não ficou de pé nenhum restaurante, bar ou escola que fosse ligado aos cristãos ou à França. O Níger foi uma colônia francesa até 1960. De resto, os nigerinos muçulmanos pareciam continuar a tocar a vida como se nossas igrejas destruídas fossem um mero detalhe mórbido. Houve mais indiferença em relação a nossa sorte. Do governo do Níger, não veio nenhuma ajuda ou palavra de solidariedade como o líder Issoufou prestara à França dias antes. Foi por medo?
Desde que estou aqui, nunca vira uma revolta tão assombrosa e violenta como esta. Esta é a segunda vez que moro no Níger. Antes de vir para cá pela primeira vez, em setembro de 2001, passei por uma longa preparação cultural no Brasil. A maior lição que aprendi foi trabalhar em conjunto e jamais fazer qualquer coisa sozinho. Depois de dois anos, voltei ao Brasil para que minha mulher, Telma, desse à luz Débora, minha primeira filha. Em 2005, voltei à África, onde me estabeleci no Mali durante quatro anos. Tive momentos maravilhosos lá, como o nascimento do meu filho, Djalma José. Em 2009, voltei ao Níger para nunca mais querer voltar. Até agora, havíamos sido felizes aqui. Sempre soube que seria uma missão árdua trazer a palavra de Jesus à África. Menos pela adaptação ao calor desértico que bate os 50 graus célsius na média. Ou pela pobreza e pela dificuldade em pregar em francês, o idioma oficial do Níger. Mas sobretudo pela realidade religiosa da África.
Na Nigéria, país vizinho ao Níger, os cristãos são fortemente perseguidos. Há cristofobia. No Níger, como somos minoria na população e os muçulmanos, em geral, não aceitam bem os cristãos, é fácil imaginar o que pode acontecer aos muçulmanos que se convertem ao cristianismo. Uma dificuldade que tivemos foi achar um espaço para começar nossa igreja, porque os maiores proprietários de imóveis são muçulmanos. E vários deles eram bem radicais. A ideia de uma igreja cristã pulsando em Niamey lhes parecia inconcebível. Mas Deus tem controle das coisas – e conseguimos construir nossas igrejas, sempre abertas aos fiéis e regularizadas junto ao governo nigerino.
Agora, deveremos reconstruí-las. Farei isso sem mágoas nem rancor. Conheço vários nigerinos, com quem fiz amizade. Do mecânico de carros ao padeiro da esquina. Todos eles muçulmanos. Todos eles gentis e amigáveis. Comovidos, vários deles me disseram que teriam corrido à igreja para defendê-la dos ataques se soubessem quais eram os alvos dos manifestantes com antecedência. Também não quero voltar ao Brasil. Posso dizer que amo esse povo, mesmo que alguns nos persigam. Deus faz da cristofobia um motivo de alegria. A igreja é como um bambu. Quanto mais você corta, mais ela cresce, com mais força e mais vigor. Quanto mais nos perseguirem, mais nós cresceremos. Não estou aqui como um turista que tira fotos e vai embora. Estou aqui por um chamado de Deus. Muitos de meus amigos muçulmanos nigerinos não sabem quem é Jesus Cristo. Eles me dizem: “Ah, ele é um americano!”. Outros me perguntam: “Seria um francês?”. Palavras como essas me fazem acreditar que minha missão não acabou. Continuarei a pregar a palavra de Jesus.
FONTE:http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/02/broberto-carlos-dos-santos-gomesb-quanto-mais-nos-perseguirem-mais-o-cristianismo-crescera.html
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