quarta-feira, 28 de maio de 2014

Em Brasília, o resumo dos grandes erros do país da Copa


Estádio caro e com futuro incerto, obras incompletas, legado decepcionante: é essa a capital que os visitantes encontrarão dentro de apenas quinze dias

Adriana Pereira, de Brasília
Estádio Mané Garrincha na final da Copa Verde entre Brasília e Paysandu - (21/04/2014)
Estádio Mané Garrincha na final da Copa Verde entre Brasília e Paysandu - (21/04/2014) (Evaristo Sá/AFP)
"É fundamental que o orgulho do brasileiro se eleve com relação à sua capital, que foi muito maltratada ao longo dos anos”, diz o secretário Claudio Monteiro
A Copa do Mundo chega a Brasília em 15 de junho, com uma partida entre Suíça e Equador. Faltando poucas semanas para o evento, entretanto, os preparativos na capital federal simbolizam bem as deficiências na organização do torneio no país todo. Brasília conta com um estádio que custou caro demais e tem futuro incerto; há obras ainda incompletas, que ficarão prontas só depois do Mundial; e ainda enfrenta problemas que podem comprometer a experiência do torcedor que chegar à cidade para participar da festa.  

O governo do Distrito Federal entregou o Estádio Nacional Mané Garrincha à Fifa na semana passada, para que sejam feitos os ajustes finais na arena que receberá sete partidas da Copa. Áreas de imprensa, estrutura para transmissão de TV, escritórios temporários, tendas de serviços e treinamento de funcionários estão sendo realizados no local. Estádio mais caro do Mundial e forte candidato a virar um elefante branco depois do torneio, o Mané Garrincha foi orçado em 780 milhões de reais, mas está chegando à casa dos 2 bilhões. Pelo projeto, a arena multiuso promete abrigar mais do que partidas de futebol e shows, apostando em eventos dos mais diversos. Mesmo que esse conceito decole – algo em que nem todos acreditam na capital –, o contraste do estádio moderno e sofisticado com a realidade do lado externo é grande. A começar pelas calçadas esburacadas e cheias de barro que levam até o estádio.
A Copa no DF seria, de acordo com o governador Agnelo Queiroz, o "Mundial sustentável" – e ela veio a um custo elevado, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). A frota de dezoito ônibus ecológicos (movidos a biodiesel e com motor elétrico) para transportar os turistas custou 21 milhões de reais. Em Curitiba, porém, sessenta unidades do mesmo veículo custaram 26 milhões de reais, já que foram dispensados equipamentos como câmbio automático e ar condicionado. O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que ligaria o aeroporto ao Setor Hoteleiro Sul foi retirado da Matriz de Responsabilidades da Copa pelo governador – houve suspeita de irregularidade na fase de licitação. Diversas outras promessas, como o projeto urbanístico do lado externo da arena, a ampliação de rede de metrô, a adoção do bilhete único de transporte e as placas fotovoltaicas para captação e aproveitamento de energia solar no estádio, continuam na lista de espera.

Legado pela metade - Como todas as outras onze cidades-sede, a capital federal também terá seus legados da Copa – pelo menos conforme as campanhas do governo. Além do estádio, criado para ser uma arena multiuso, o aeroporto, com a nova Ala Sul, passou de treze para 29 portões de embarque, ganhou uma ampliação na área de manobra das aeronaves, mais vagas de estacionamento... e muito barulho e confusão para os visitantes que chegam neste mês, pois nem todas as obras no local estão prontas. O Expresso Sul, corredores exclusivos para ônibus que ligam o Gama ao Plano Piloto, também teve sua construção atribuída à chegada da Copa à cidade. "É fundamental que o orgulho do brasileiro se eleve com relação à sua capital, que foi muito maltratada ao longo dos anos”, disse o secretário Claudio Monteiro, que cuida dos assuntos da Copa no DF.
Apesar de o governo distrital comemorar os projetos ligados ao Mundial, muitos avanços prometidos ficaram pela metade. No caso do estádio, existe um projeto para manter abertos dois restaurantes e lojas. Segundo o secretário, porém, a execução do projeto só terá início após o Mundial. Quanto ao aeroporto, estão em falta placas de sinalização indicando aos turistas onde estão o embarque e desembarque, pontos de táxis e banheiros. Apesar das melhorias na Ala Sul, que será apenas de uso doméstico, a Ala Norte, para voos internacionais, ainda não foi concluída e mantêm-se sem previsão de conclusão. O Expresso teve apenas um de seus trechos concluído. A parte que ligará Planaltina e Sobradinho ao Plano Piloto só deve começar a ser construída no segundo semestre. Mesmo o que é anunciado como legado, portanto, ainda está longe de ser concluído.

A Copa que o turista vai encontrar na capital

O turista que chegará a Brasília para acompanhar de perto a Copa do Mundo deverá se deparar com algumas surpresas – e elas, definitivamente, não se encaixam no padrão Fifa. Com apenas quinze dias para o início do torneio, a cidade ainda não oferece as condições ideais para a realização da competição. Sob a tutela da Fifa desde a semana passada, o Estádio Nacional Mané Garrincha está pronto, mas ainda há obras e chão em terra batida em boa parte do pátio que o contorna.
A pavimentação do entorno está sendo feita em cima da hora. A promessa é de que ficará pronta até o início do torneio. Mas obras que serviriam para melhorar o acesso dos visitantes ao palco dos jogos só ficarão prontas após o Mundial, como é o caso do túnel que liga o estádio ao Centro de Convenções. Com o foco voltado ao estádio, que já foi palco da abertura da Copa das Confederações, as obras no lado externo começaram a ser executadas tarde demais. De acordo com o titular da Secretaria Extraordinária da Copa (Secopa) no Distrito Federal, Claudio Monteiro, o túnel continua nos planos e deverá facilitar o acesso ao estádio em jogos futuros. No maior evento a ser realizado no local, porém, o caminho facilitado não existirá.
A reportagem de VEJA saiu do Setor Hoteleiro Norte, a menos de um quilometro do estádio, e fez o percurso que quase todos os turistas percorrerão em dias de jogos. No caminho foram identificadas diversas falhas nas calçadas, além de muita sujeira decorrente das construções – incluindo o entulho deixado pelas obras de um dos hotéis que não foram concluídos para a Copa – e de buracos e bueiros abertos. Também não havia policiamento no trajeto. Estrangeiros acostumados com organização e limpeza terão dificuldades para se adaptar.
O governo corre para Brasília não receber o Mundial apresentando tantos pontos negativos, mas a arena que foi inaugurada há apenas um ano só recebe os devidos cuidados aos quarenta minutos do segundo tempo. Mesmo com o estádio já entregue à Fifa, um canteiro de obras instalado no lado externo continua no mesmo lugar, sinalizando que ainda há trabalho a ser feito. As máquinas ligadas durante boa parte do dia e o constante movimento de trabalhadores no local confirmam essa impressão.
Apesar das evidências de desleixo e das obras ainda incompletas, na avaliação da Secopa-DF, tudo transcorre conforme o planejado: "Estamos prontos para receber a Copa do Mundo de 2014".

A cadeia de erros do Brasil na Copa

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Estádios demais

Como poderia ter sido: A Fifa ficaria satisfeita com apenas oito estádios, o suficiente para o evento
O que o país fez: Para aumentar o número de cidades envolvidas – e atender aos pedidos do maior número possível de governadores e prefeitos –, ampliou o número para doze arenas
Qual foi a consequência: Além de encarecer todo o evento, criou dois problemas. Sem investidores privados para bancar estádios em capitais sem clubes de grande torcida, usou-se dinheiro público. Além disso, algumas das arenas poderão virar elefantes brancos depois do Mundial.

Viagens em excesso

Como poderia ter sido: A Fifa pretendia dividir o país em 4 regiões para facilitar os deslocamentos
O que o país fez: Para evitar uma briga entre as diferentes regiões pela honra de sediar os jogos da seleção brasileira, não aceitou separar os oito grupos pelos critérios geográficos
Qual foi a consequência: Muitas seleções (e seus torcedores) terão de fazer longas viagens logo na primeira fase da Copa, aumentando dramaticamente o número de deslocamentos pelo país – e elevando, portanto, o risco de problemas nos aeroportos, que ficarão bem mais cheios.

Obras atrasadas

Como poderia ter sido: O Brasil teria facilitado tudo caso tivesse definido rapidamente suas sedes
O que o país fez: Com 17 candidatas a receber os jogos, o governo demorou dois anos para apontar as escolhidas. Em São Paulo, a indefinição em torno do estádio da Copa durou quatro anos
Qual foi a consequência: Por ter desperdiçado tanto tempo para listar os doze estádios, as obras de construção ou reforma ficaram com um prazo apertado demais. Além disso, problemas burocráticos e disputas políticas atrasaram a liberação de linhas de crédito para os projetos.

Projetos frustrados

Como poderia ter sido: Obras de infraestrutura seriam diretamente ligadas à realização do evento
O que o país fez: Na tentativa de contemplar o maior número possível de Estados e municípios, o governo federal colocou na Matriz de Responsabilidades um número excessivo de projetos
Qual foi a consequência: 
Sem um foco específico nas necessidades do evento – no caso das obras de mobilidade urbana, por exemplo, é o transporte público até os estádios –, as cidades tiveram de lidar com projetos demais, muitos deles inviáveis. Resultado: muitos não vão sair do papel.








FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/em-brasilia-um-resumo-dos-erros-do-pais-da-copa

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