Por Thais Paranhos e Clara Campoli
Ana Cleide, mãe de Leonardo, morto após assalto em Águas Claras, representa o desespero da capital, refém da violência. ...
Era o filho de Ana Cleide Almeida que estava sem vida sob o lençol branco manchado de sangue na Rua 34 de Águas Claras. Na noite da última quarta-feira, ela ouviu a pior notícia que uma mãe poderia receber. Leonardo Almeida Monteiro, 29 anos, é uma das mais recentes vítimas da violência descontrolada no Distrito Federal. Levou um tiro após estacionar o carro na frente do prédio onde vivia. Diante da barbárie, ontem a empresária ainda teve de reunir as forças para enterrar o filho único. Cerca de 200 pessoas, entre familiares e amigos, deram o último adeus ao rapaz na capela 2 do cemitério Campo da Esperança.
Ana Cleide vestia uma saia preta e uma camiseta com uma foto do filho e os dizeres “Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar”. Vestimenta, aliás, usada por vários amigos de Leonardo. Ela ficou o tempo todo amparada por familiares e mal conseguia dizer algumas palavras, dominada pelo sentimento de tristeza e revolta. O corpo começou a ser velado às 13h30 e, quando o cortejo saiu, duas horas depois, Ana Cleide andava afastada da multidão, quase sem forças nas pernas. O corpo de Leonardo foi enterrado sob aplausos e um grito que veio do meio da aglomeração de pessoas: “Sua morte não será em vão”. Enquanto isso, Ana Cleide observava, calada, a cerimônia de adeus ao filho ao lado de uma sobrinha e da namorada dele.
“Isso é um descaso, queria ver se fosse o filho de alguém importante. Leonardo era uma pessoa querida, do bem, um menino de ouro”, disse uma amiga próxima da família. “Ele morreu por nada, matar virou uma coisa normal, e a gente fica esperando o ‘e se’, e se a polícia estivesse lá, o que teria acontecido”, completou. Dezenas de amigos também estiveram no local para se despedir de Leonardo. Muitos jovens, amigos de infância e da casa noturna em Taguatinga onde o rapaz trabalhava. O clima era de tristeza e revolta. Muitos não conseguiram segurar as lágrimas. “Era uma pessoa tranquila e humilde. A notícia pegou todo mundo de surpresa e mostra como estamos à mercê dessa violência”, comentou o empresário Jânio da Costa, 33 anos, morador de Vicente Pires.
A forma como o rapaz morreu chamou a atenção de amigos que frequentam a casa noturna onde Leonardo trabalhava. “Eu sei como é isso, já fui assaltado e levei várias coronhadas. Essa violência nos assusta”, contou o empresário Renato Carvalho Sousa, 25 anos, morador de Vicente Pires. Ele também vestia a camiseta com a foto do amigo.
Prisão
Ontem mesmo, agentes da 20ª Delegacia de Polícia de São Sebastião conseguiram apreender um dois envolvidos no crime. Eles são menores de idade e teriam agido com um adulto, já identificado. A polícia pediu a prisão dele, mas até às 22h30 de ontem, ainda não havia sido localizado. Um dos adolescentes, de 16 anos, confessou ter atirado (leia mais sobre a violência no DF e a Operação Tartaruga nas páginas 20 e 21).
Ana Cleide ficou viúva há 13 anos, de acordo com informações de amigos. Desde então, era só ela e Leonardo em casa. Os dois eram muito ligados. Em texto publicado nas redes sociais, a empresária manifestou toda a dor com a perda do filho. “Hoje com o meu coração partido em milhões de pedaços desabafo que tiraram a vida da minha vida. Minha razão de viver, de recomeçar, de voltar para casa para cuidar. Mataram meu filho quando chegava em casa depois de um dia de trabalho. Como viver?”. A proximidade entre Ana Cleide e Leonardo foi relatada por alguns amigos. “Os assaltantes não mataram só um, mataram a família inteira. Leonardo era o filho, o marido, o pai e o avô da mãe”, afirmou um amigo.
Passeata
Ana Cleide faz parte do grupo Mães Amigas de Águas Claras e Região, uma reunião de moradoras que se comunicam pela internet e promovem encontros entre si para falar dos mais diversos assuntos relacionados ao dia a dia e à maternidade. As mulheres se articularam para fazer uma passeata pela cidade no próximo sábado, a partir das 9h. A ideia é sair do portão da faculdade Unieuro e caminhar até a residência oficial do governador do DF, Agnelo Queiroz.
Uma participante do grupo de mães, moradora da rua de baixo à de Ana Cleide, foi até o local do crime na manhã de ontem, para tentar se solidarizar com a mãe de Leonardo. “Eu a vi chorando perto do corpo dele, debatendo-se. Vim aqui para entregar uma rosa para ela, em nome do grupo. Tenho uma filha e temo pelo que possa acontecer nas redondezas”, contou. Familiares de Leonardo estavam no apartamento, com a mãe, para ajudá-la com os preparativos do enterro. A colega de grupo, que também preferiu não ser identificada, deixou a rosa na portaria.
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