Na Venezuela, governo restringe compra de papel e 7 jornais param de circular. Outros 15 estão ameaçados
CARACAS — Ameaças à liberdade de imprensa na América Latina são variadas e atingem grande parte dos países da região. São de natureza material, como a falta de papel que obrigou sete jornais regionais da Venezuela a suspender a publicação e ameaça outros 15 de terem que fazer o mesmo. O crime organizado também é uma grande ameaça ao jornalismo. Conscientes de que o papel de denúncia dos jornalistas interfere nos seus interesses, criminosos ameaçam e assassinam jornalistas em países como Honduras, onde 29 profissionais foram mortos desde o golpe contra Manuel Zelaya e 97% desses crimes permanecem impunes.
Não menos ameaçadora é a promulgação (ou mesmo a sugestão) de leis supostamente destinadas a "garantir" o direito à informação pública ou estabelecer padrões éticos que, na verdade, visam a legitimar a interferência das autoridades no trabalho jornalístico. O Grupo de Diarios América (GDA), formado por 11 jornais da América Latina, do qual O GLOBO participa, oferece um panorama desta situação na série, "As ameaças à liberdade de imprensa", que começa hoje.
O primeiro país retratado é a Venezuela, onde desde setembro de 2013, sete jornais regionais deixaram de circular pela impossibilidade de conseguir divisas para a importação de papel, insumo necessário para a impressão dos diários. Até o momento, cinco deles continuam fora de circulação, segundo os registros do Instituto Prensa y Sociedad.
A organização não governamental informa que os diários que desapareceram são “El Sol de Maturín” (Monagas) “Antorcha” (Anzoátegui), enquanto o “El Oriental y La Verdad” ( Monagas) não está circulando no fins de semana. O “El Nacional” verificou esta semana que também deixaram de circular “El Guayanés”, “El Expreso” e “El Venezoelano” (Bolívar).
Marco Ruiz, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Imprensa, adverte que outros 15, dos 80 jornais do país, podem seguir o mesmo caminho no curto prazo se o governo — que monopoliza a administração de divisas por meio de um rígido controle do câmbio imposto há 11 anos — não liberar imediatamente os dólares para a compra de papel.
Prêmio e castigo
Ante a asfixia, 17 veículos de mídia impressa estão sendo obrigados a diminuir o número de páginas e a tiragem das edições. Miguel Henrique Otero, editor-chefe do “El Nacional”, destaca que o jornal tem disponibilidade de papel até maio. “El impulso”, outro diário tradicional no país, tem insumos para aproximadamente duas semanas.
“VEA”, um tabloide com afeição ao governo, publicou em sua primeira página que, por falta de divisas, não pode publicar a revista que acompanha a edição dominical. No entanto, outros veículos vinculados ao partido no governo, como “El Correo del Orinoco" e "Ciudad Caracas”, por estarem ligados a órgãos do Estado não precisam cumprir os complexos procedimentos de importação que são exigidos das empresas privadas e, portanto, dispõem de insumos para operar.
Carlos Correa, diretor da organização não governamental Espacio Público, destaca que não estão em risco apenas os jornais e os mais de 30 mil postos de trabalho que eles geram, mas a crise na imprensa venezuelana afeta a liberdade de expressão e o direito à informação de todos os cidadãos.
Representantes de diferentes sindicatos, especialistas em comunicação e profissionais de imprensa têm denunciado que o governo presidido por Nicolás Maduro concede ou nega divisas para importação de papel com a lógica do prêmio ou castigo: facilitando aos meios afeitos ao oficialismo e dificultando aos que abrem espaço para a crítica da gestão governamental.
Luisa Torrealbe, representante do Instituto Prensa y Sociedad, lembra que a discricionariedade e o abuso no fornecimento de insumos imprescindíveis para o funcionamento dos meios de comunicação é mecanismo clássico de censura indireta que muitas vezes aplicam os governo autoritários e intolerantes.
Não apenas a imprensa escrita tem sido castigada. O sociólogo e estudioso da comunicação Tulio Hernández está convencido que, pela primeira vez na história venezuelana, um governo consegue controlar plenamente a televisão:
— É uma televisão com um só tom, uniformizada, sem conflitos em temas políticos. Isso foi conseguido por dois mecanismos: a criação de um aparato televiso estatal, composto por nove emissoras nacionais e 120 comunitárias; e a neutralização das maiores emissoras. O governo fechou a RCTV e converteu em eunucos informativos Venevisión, Televén e Globovisión — afirma.
Para Hernandéz, o controle governamental da televisão venezuelana pode se estender para a imprensa escrita. “Pela compra direta dos meios, o manejo arbitrário da publicidade oficial e os obstáculos para a obtenção de papel, os jornais venezuelanos estão ameaçados”, adverte.
No dia 25 de outubro de 2013 foi concluída a venda da Cadena Capriles ao grupo Latam Media e a dirigente do partido do governo, Desirée Santos, foi incorporada como assessora editorial para fiscalizar o conteúdo dos jornais “Últimas Noticias”, “El Mundo” e “Líder”.
Aos inimigos, a lei
Aos problemas enfrentados pela imprensa venezuelana, é preciso acrescentar a perseguição judicial comandada pelo Executivo. Em novembro do ano passado foram abertas investigações penais contra os jornais “2001”, “El Propio” e “El Universal” pela divulgação em suas primeiras páginas de informações que o governo considera inconvenientes, como a escassez de bens de consumo e a onda de criminalidade. Nesse mesmo mês, um tribunal manteve a multa imposta três meses antes ao “El Nacional” pela publicação de uma fotografia que mostrava o estado em que se encontravam cadáveres no principal necrotério do país.
O relatório produzido pela organização Espacio Público sobre a situação da liberdade de expressão na Venezuela, correspondente ao ano de 2013, indica que o país retrocedeu no cumprimento normas internacionais dos direitos humanos. “Cada vez há menos pluralismo na esfera midiática com maior concentração governamental discursiva e de conteúdos. Aumentaram os casos de perseguição judicial de opiniões ou informações, o que indica um padrão restritivo ao exercício do direito à liberdade de expressão. Esses casos contribuem com a inibição ou autocensura e desmentem os funcionários do governo que falam de uma ampla garantia para a liberdade de expressão na Venezuela”.
No ano passado, indica o relatório, foram registrados 219 casos de violações à liberdade de expressão e informação, que incluem ataques a jornalistas e meios de comunicação, censura, intimidação, assédio judicial e verbal, ameaças, restrições administrativas, opacidade no acesso à informação pública e abuso de poder em campanhas eleitorais. O número de casos cresceu 1,8% em relação a 2012.
Flor Albujas, uma aposentada de 76 anos, experimenta uma mistura de frustração e raiva após ter “perdido” a Globovisión, a única emissora do país que transmitia informações 24 horas por dia e que havia se consolidado como espaço para a crítica da gestão do governo venezuelano.
— Agora só me restam uns poucos programas de rádio para poder me alimentar com informações e análises independentes sobre a situação do país.
FONTE:em http://oglobo.globo.com/tecnologia/as-ameacas-imprensa-na-america-latina-11550150#ixzz2vsR5vt1h
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