Elio Gaspari, O Globo
Durante o tucanato, converteram-se papéis podres de dívidas da União em moeda corrente, juntaram-se financiamentos do BNDES, dinheiro dos fundos de pensão estatais, e torrou-se a patrimônio da Viúva na festa da privataria. O comissariado petista diz que não faz isso, pois não vende o que é da Boa Senhora. Tomando-se o caso dos leilões dos aeroportos, resulta que fazem diferente, e pior.
Em novembro a Odebrecht, associada a uma operadora de aeroporto de Cingapura, arrematou a concessão do Galeão por R$ 19 bilhões. Quem ouve uma coisa dessas acredita que o futuro chegou. As vítimas da Infraero pensam que se livrarão do dinossauro e que o novo dono investirá seu dinheiro no aeroporto para torná-lo uma vitrine da cidade.
Não é bem assim. A Infraero continua com 49% do negócio, e o velho e bom BNDES e mais um fundo de investimentos estatal botaram R$ 1,4 bilhão na operadora de transportes da Odebrecht. Somando-se essa participação à da Infraero, a Viúva fica com mais de 50% do Galeão.
Foto: Gustavo Miranda / Globo
Pode-se argumentar que a gestão ganhará a eficácia da iniciativa privada, mas ganha uma passagem de ida a Davos quem sabe onde terminam os braços das empreiteiras e onde começa o Estado dos comissários. Ganha a passagem de volta quem sabe onde termina a máquina de administração de serviços do Estado e onde começa a das empreiteiras.
Até aí, ainda haveria lógica, mas, conforme o repórter Daniel Rittner revelou, as empreiteiras que arremataram as concessões dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos querem fazer uma pequena mudança nos contratos assinados em 2012.
Pelo que se acertou, as concessionárias podem construir hotéis, centros de convenções e torres de escritórios nas áreas arrendadas, explorando-os por períodos de 20 a 30 anos. Agora, uma associação de concessionários cabala a prorrogação da posse dessas melhorias.
Nesse caso, o negócio não é administrar aeroporto, mas explorar empreendimentos imobiliários. Parece a piada do chinês de Nova York: “Meu negócio é a tinturaria, venda de cocaína é disfarce”.
A privataria tucana patrocinava grandes tacadas iniciais, a petista move-se suavemente nas mudanças dos contratos. Cada mudança, um negócio. Para quem quer desmoralizar o país como destino de investimentos estrangeiros, nada melhor.
Nem a criatividade dos advogados da bancada da Papuda seria suficiente para explicar a uma empresa que entrou no leilão de um aeroporto e teve seu lance superado que devia ter previsto a possibilidade da extensão do período de exploração dos empreendimentos imobiliários.
A doutora Dilma deve botar sobre sua mesa um talonário do jogo do bicho carioca: “Casa Lotérica São Jorge, vale o que está escrito”.
Elio Gaspari é jornalista.
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