domingo, 19 de fevereiro de 2017

Flagrado há uma década em corrupção, magistrado do STJ permanece na folha



Pilhado em 2007 num esquema de venda de sentenças judiciais em benefício de donos de caça-níqueis e de bicheiros, o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permanece na folha salarial do tribunal. Afora os penduricalhos, recebe do contribuinte algo como R$ 30 mil por mês. Aposentado compulsoriamente, embolsa o dinheiro sem trabalhar. Na esfera criminal, graças a sucessivas protelações provocadas pelo chamado privilégio de foro, Medina permanece impune. Há quatro dias, seu processo desceu do STJ para a primeira instância do Judiciário, no Rio de Janeiro. Segue a trilha da prescrição.
Em 3 agosto de 2010, três anos depois de ter sido investigado pela operação Furacão, da Policia Federal, Medina sofreu uma condenação com gosto de premiação. O Conselho Nacional de Justiça condenou-o ao pijama perpétuo. A decisão só foi publicada no Diário Oficial sete meses depois, em 28 de fevereiro de 2011. Medina migrou, então, para a folha de inativos do STJ, com vencimentos integrais. Ele só perderia o salário se fosse condenado em ação penal.
Como ministro do STJ, Medina dispunha de foro privilegiado. Só podia ser processado no Supremo Tribunal Federal. Formulada pela Procuradoria-geral da Repúlica, a denúncia contra ele foi aceita pela Suprema Corte em 26 novembro de 2008. Mas o acórdão (resumo da decisão) só foi publicado um ano e quatro meses depois, em março de 2009. Quer dizer: quando o ministro foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ, já estava no banco dos réus, enviado pelo STF. Ainda assim, manteve o salário. Não havia condenação.
Junto com Medina, foram içados para o processo do Supremo outros personagens acusados de participar da quadrilha de venda de sentenças: o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio; o juiz Ernesto da Luz Pinto Dória, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas; o procurador regional da República do Rio de Janeiro João Sérgio Leal Pereira; e o advogado Virgílio Medina, irmão do ministro do STJ. Outro acusado, o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira, morreu em julho de 2008.
Com a aposentadoria forçada, Medina perdeu a prerrogativa de foro. No entanto, um dos réus, o procurador regional da República do Rio João Sérgio Leal Pereira também dispunha do privilégio de foro —teria de ser processado no STJ, não no STF. O processo só migrou de um tribunal para o outro em 2012. João Sérgio arrastou consigo todos os outros réus, inclusive Medina. Os advogados do acomodaram o ferro sobre os autos e esperaram o tempo passar.
De repente, a defesa de João Sérgio peticionou ao STJ para recordar que é de oito anos o prazo de prescrição do único crime de que o procurador era acusado: formação de quadrilha. Ou seja: como a denúncia fora convertida em ação penal na data de 26 de novembro de 2008, o crime atribuído ao procurador estava prescrito desde o final de 2016.
Confrontada com a evidência, a Procuradoria-Geral da República deu o braço a torcer. Reconheceu a extinção de qualquer pretensão de punir o procurador João Sérgio. Como nenhum outro réu dispunha de foro privilegiado, dois processos relacionados à Operação Furacão foram remetidos, há quatro dias, à primeira instância da Justiça Federal do Rio, onde os outros réus terão de ser julgados. A decisão foi tomada pela Corte Especial do STJ. Entre os processos que desceram está o que envolve Paulo Medina.
A defesa de Medina ainda tentou uma última cartada. Requereu a extinção do processo sob a alegação de que Medina sofre de insanidade mental. Teria sido acometido, de resto, do Mal de Parkinson. Seus colegas de tribunal decidiram que caberá ao juiz que for cuidar do caso no primeiro grau deliberar sobre o tema. Generalizou-se no STJ a impressão de que também os crimes atribuídos a Medina tendem a prescrever.
A prescrição é um fenômeno cada vez menos incomum nos tribunais superiores. Políticos enrolados na Lava Jato celebram o fato de serem processados no Supremo Tribunal Federal. No curto prazo, enxergam no escudo do foro especial uma proteção contra a agilidade de juízes como Sergio Moro. No longo prazo, sonham com a prescrição, que é um outro nome para impunidade.


Josias de Souza




Fonte: http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/02/19/flagrado-ha-uma-decada-em-corrupcao-magistrado-do-stj-permanece-na-folha/

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Odebrecht levará Lava Jato a outros partidos e Estados, diz Dallagnol


  • Em entrevista ao UOL, Deltan Dallagnol diz que "filhotes" da Lava Jato devem se espalhar por diversos Estados
    Em entrevista ao UOL, Deltan Dallagnol diz que "filhotes" da Lava Jato devem se espalhar por diversos Estados
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) e as investigações sobre o empresário Eike Batista são os primeiros efeitos de um novo período da Lava Jato. A avaliação é do coordenador da força-tarefa da operação, o procurador federal Deltan Dallagnol. Em entrevista ao UOL, ele afirmou que acordos de delação premiada da Odebrecht devem revelar casos de corrupção em vários Estados do país ligados a políticos de diversos partidos. "É natural que aconteça um desdobramento da Lava Jato com 'filhotes' da operação por todo o país", disse o procurador. 
Em pouco mais de meia hora de entrevista, realizada na semana passada, em Curitiba, o procurador rebateu críticas de que a Lava Jato persegue apenas políticos do PT e do PMDB, e revelou que um dos focos da força-tarefa em 2017 são os contratos milionários da Petrobras com empresas de marketing. Confira os principais trechos da entrevista:
UOL: Em relação às investigações em curso, além de empreiteiras e bancos, que outros setores da economia entrarão no foco da Lava Jato neste ano?
Deltan Dallagnol: A Lava Jato está num movimento de expansão. Quando acontecem acordos de colaboração com pessoas e acordos de leniência com empresas, novos fatos vêm à tona. Isso já levou às empreiteiras e às empresas de publicidade. Uma das áreas para qual a Lava Jato tende a se expandir é o marketing da Petrobras.
Outra área que estamos estudando é a das instituições financeiras. Não exatamente porque não existe um controle, mas porque várias delas violaram regras para praticar atos que acabaram favorecendo a realização de crimes graves contra a sociedade. A ideia é fazer com que algumas instituições financeiras do Brasil e do exterior sejam responsabilizadas e que, com isso, possam ressarcir os cofres públicos.
É possível esperar ações relacionadas à Lava Jato, os chamados "filhotes da Lava Jato", em outros Estados além do Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e do Distrito Federal?
O STF, em dois precedentes, entendeu que fatos que não estejam relacionados a algo próximo à Petrobras não devem tramitar em Curitiba, mas em seus Estados. Isso gerou desdobramentos em São Paulo, no Rio e outras operações. Há acordos de colaboração [premiada] que estão sendo objeto de decisão o STF.
Quando o STF tomar essas decisões, ele deve decidir que os fatos revelados não devem ser todos apurados em Curitiba, mas em vários Estados. Por isso, é natural que aconteça um desdobramento da Lava Jato com "filhotes" por todo o país.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse várias vezes que há interesses estrangeiros na Lava Jato. Recentemente, integrantes do partido disseram que a Lava Jato tem responsabilidade na crise econômica. Como o senhor responde a essas críticas?
Não vou polemizar com investigados, mas posso falar sobre a relação entre Lava Jato e economia. O que vemos em estudos internacionais é que, quanto maiores os índices de corrupção em um país, menores são seus índices de desenvolvimento econômico e social.
Isso mostra que, se nós queremos um país melhor, só há uma saída: reduzir os índices de corrupção. O juiz Sérgio Moro diz que não podemos culpar o investigador por ter encontrado o cadáver.
Vários dos problemas que surgiram em decorrência da Lava Jato não estão ligados à atuação do Estado, mas sim às práticas dos crimes pelas pessoas que os cometeram anos atrás. Vemos ainda que corrupção e ineficiência econômica estão muitas vezes relacionadas.
É como se tivéssemos um paciente com um tumor. Esse tumor é a corrupção. É possível fazer uma cirurgia e extrair esse tumor. Essa cirurgia vai trazer um desconforto para o paciente durante sua recuperação. Mas essa é a única alternativa para que o paciente fique saudável no médio e longo prazo.
Não temos dúvida de que o problema da corrupção é um problema grave, enraizado, histórico e sistêmico no Brasil. Precisa ser enfrentando para que tenhamos um país melhor.
Outra crítica diz respeito ao baixo número de políticos do PSDB investigados pela operação. Na sua avaliação, há motivos para essas críticas?
De novo, eu não vou polemizar com investigados, mas posso abordar de forma geral. Existe essa crítica de que a Lava Jato é partidária porque atingiria só membros do PP, PT e PMDB. Mas existe uma razão para que isso tenha ocorrido. Essa razão é a forma como os crimes se desenvolveram.
A investigação se debruçou por um largo momento sobre os crimes praticados na Petrobras. Quem estava à frente da Petrobras eram pessoas indicadas pelo partido no poder.
Como o partido no poder foi o PT de 2003 a 2016, jamais se encontrariam pessoas de siglas da oposição, entre elas o PSDB, em cargos na Petrobras. Isso fez com que a investigação se direcionasse e encontrasse crimes praticados por pessoas de partidos da base aliada do governo, particularmente PT, PP e PMDB.
A investigação continua evoluindo e é possível e até provável que as outras frentes que estão se desenvolvendo revelem crimes praticados por uma série de outros partidos que até então não estavam implicados. Se o STF decidir que esses casos devam ser investigados aqui em Curitiba, o tratamento que vamos dar será idêntico ao dado aos outros casos.
Com base em tudo o que foi investigado até o momento, há elementos para pedir a prisão do ex-presidente Lula?
Não vou comentar casos específicos porque eles estão em discussão nos processos.
Por que a PF foi afastada das delações da Lava Jato? Esse afastamento trouxe alguma vantagem à operação?
Esses acordos estão tramitando sob sigilo. Então, é uma situação que prefiro não comentar. Mas a participação da Polícia Federal nas investigações é essencial para a Lava Jato.
Recentemente, houve uma onda de rebeliões em presídios em todo o Brasil, inclusive no Paraná. Vocês monitoram a situação dos presos da Lava Jato por conta das rebeliões?
Estamos atentos, mas não fomos informados de nenhum sinal que indique uma possibilidade de rebelião nos locais em que os presos estão.
O Congresso Nacional rejeitou as dez medidas contra corrupção propostas pelo MPF. O ministro do STF Luiz Fux que determinou uma nova votação do projeto. Vocês acreditam que as medidas serão aprovadas agora?
Se a decisão do ministro Fux for ratificada pelo plenário do STF, as medidas voltam à Câmara [dos Deputados] e eu acredito que, nessa hipótese, a Câmara terá uma nova oportunidade para reapreciar essas medidas com mais calma. Analisando as declarações feitas por vários deputados naquela madrugada em que o projeto foi votado, nós percebemos que muitos deles não tinham conhecimento correto daquilo que estavam votando. Havia declarações complemente descoladas daquilo que eles estavam votando.
Agora, voltando à Câmara, a gente acredita que as medidas poderão ser reavaliadas com mais calma e profundidade. Sobretudo considerando que quando elas tramitaram na comissão especial, elas foram aprovadas na sua maior parte.

Fonte: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/04/odebrecht-levara-lava-jato-a-outros-partidos-e-estados-diz-dallagnol.htm

Grupo terrorista Hezbollah planejou atentados contra Brasília


Documentos até então sigilosos revelam que organização militar libanesa enviou terroristas ao DF com o intuito de cometer ataques a representantes diplomáticos de Israel. Alguns foram identificados, inclusive com fotos


Brasília esteve na mira de grupos terroristas pelo menos duas vezes. A primeira nos anos 1970. A segunda em 1989, que inclui o Hezbollah (leia Para saber mais). O grupo libanês planejava sequestrar representantes do governo de Israel residentes no DF, além do cônsul israelita, morador de São Paulo. As informações sobre os possíveis atentados ficaram restritas aos militares e às autoridades do primeiro escalão dos governos do Distrito Federal, do Brasil e de Israel até o mês passado. Elas estão em um dos dossiês confidenciais da Secretaria de Segurança Pública do DF, abertos à consulta no Arquivo Público do Distrito Federal.

Sobre o possível ataque de 1976, as informações são vagas. Tratam somente de um alerta enviado pelo governo de Israel a todas as suas representações diplomáticas e do reforço da segurança das Forças Armadas do Brasil à Embaixada de Israel em Brasília.

Quanto ao plano de 1989, atribuído ao Hezbollah, há um amplo e detalhado relatório, incluindo nomes e fotografias de suspeitos e telegramas originais trocados entre Israel e Brasil. Em meio à investigação, policiais federais brasileiros constataram que um dos supostos terroristas estava no país.

Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil à Polícia Federal e ao secretário de Segurança Pública do DF, em 16 de agosto de 1989, alerta que um terrorista d o Hezbollah está “em vias de ingressar no país (o Brasil) com vistas a cometer atentado contra aquela missão diplomática e seus membros”. Na mesma mensagem, o Itamaraty alerta sobre a presença de “outro terrorista” em solo brasileiro. Diante de tal cenário, o MRE pede reforço “urgente” na segurança em volta da Embaixada de Israel e das residências do embaixador e de quatro diplomatas israelenses.

Fonte:http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/02/04/interna_cidadesdf,570844/grupo-terrorista-hezbollah-planejou-atentados-contra-brasilia.shtml

A vez em que o Brasil demorou seis meses para perceber que fora invadido pela Inglaterra




O leitor talvez não saiba, mas o Brasil tem sua própria versão –mesmo que muito mais curta e monótona– das ilhas Malvinas. Até porque nem guerra houve.
Corria o ano de 1895, época difícil para a jovem república brasileira, instalada por um golpe seis anos antes. Em crise econômica, política e militar, o regime penava para se consolidar, despertando no exterior ainda mais condescendência do que hoje.
Eis que em julho daquele ano, o país toma conhecimento de que a inóspita ilha de Trindade, a mais de mil quilômetros do litoral do Espírito Santo, no extremo leste do país, fora ocupada pelo Reino Unido sob a justificativa de instalar uma estação telegráfica entre Londres e Buenos Aires.
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Para vergonha geral, a invasão veio a público por meio de um jornal destinado à comunidade britânica no Rio de Janeiro e apenas meses após o desembarque britânico, ocorrido em janeiro ou fevereiro.
O caso excitou os brasileiros, embora não fosse a primeira vez que a cobiça estrangeira mirava a obscura ilha vulcânica. Dois anos antes, em 1893, um excêntrico americano, James Harden-Hickey, virou piada internacional ao se declarar “príncipe de Trinidad”, como chamava a ilha, chegando a criar símbolos “nacionais”, preparar um plano de colonização e abrir um escritório de representação em Nova York.
Mas agora Trindade era alvo não da loucura de “James 1º”, mas dos interesses concretos do imperialismo britânico em pleno esplendor vitoriano.
Na Câmara brasileira, o deputado Nilo Peçanha, que viria a ser presidente do Brasil entre 1909 e 1910, minimizou o fato de ser oposição ao governo. “Ante a (…) imagem da pátria querida e por cuja integridade territorial somos um só homem e uma só vontade, desaparecem os partidos e os atritos, as discórdias e as reações.”
“As nações europeias estavam de alcateia para explorar nossas fraquezas”, lamentou o deputado Lamenha Lins, como registra Virgílio Caixeta Arraes, doutor em história e professor de Relações Internacionais da Univesidade de Brasília.
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A ilha da Trindade é o território brasileiro mais afastado do continente, distante 1.140 km da costa. É o cume de uma montanha vulcânica que faz parte de uma cadeia de vulcões submarinos entre a ilha e Vitória (ES). O fundo do mar ali está a quase 5.500 m de profundidade. Apesar de ter apenas 13,5 km², a ilha é muito acidentada e tem três picos com altitude próxima de 600 m.
Por: Yamandu Wanders/Orbis Defense 16/09/2016
Trindade fora descoberta por um navegador português no século 16. Mas, argumentava o Reino Unido, era território britânico desde 1700, quando o capitão e astrônomo Edmond Halley (sim, o mesmo que batizou o cometa), desembarcou ali e a declarou possessão de seu país, já que se tratava de local desabitado.
A solução para o impasse estaria em uma mediação internacional, a que o governo do presidente Prudente de Morais resistia. Afinal, não caberia entrar em uma disputa formal sobre um território que se sabia brasileiro.

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Prudente de Morais, presidente do Brasil à época da crise de Trindade

O representante brasileiro no Reino Unido, Artur de Sousa Correia, aconselhou que aquele era o melhor caminho a trilhar.
Afinal, para não abrir precedentes em outros territórios, os ingleses não iriam embora pura e simplesmente, mesmo que já estivessem, àquela altura, desinteressados por Trindade, árida e de desembarque difícil demais para os planos de telégrafo.
Correia lembrou ainda que a Inglaterra nunca sugerira algo parecido à Argentina sobre as Malvinas.
A arbitragem de Portugal constatou que Trindade era mesmo brasileira e os ingleses se foram em agosto de 1896. Para alívio geral, já que a jovem e empobrecida república brasileira não tinha chances em um conflito militar com a Coroa britânica.
De forma rápida e diplomática, evitamos ter hoje um drama à la Malvinas. Trindade é brasileira.
Celebremos!
POR RODRIGO VIZEU

Fonte:http://ahistoriacomoelafoi.blogfolha.uol.com.br/2017/02/03/a-vez-em-que-o-brasil-demorou-seis-meses-para-perceber-que-fora-invadido-pela-inglaterra/

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

“O Judiciário se acostumou a não ser cobrado”


No comando do primeiro gabinete da Justiça Federal a conquistar o certificado ISO 9001, o juiz gaúcho defende controle de qualidade no Judiciário




O desembargador gaúcho Jorge Antônio Maurique foi o primeiro juiz de Tribunal Regional Federal a obter para o gabinete o certificado internacional de gestão ISO 9001. Com 29 anos de carreira, Maurique buscou na padronização de procedimentos uma forma de dar clareza e celeridade aos processos. Para o juiz de 56 anos, o Judiciário é lento e perde tempo demais com formalidades. Muitos juízes não gostam de avaliações externas e recebem qualquer crítica como uma afronta pessoal, diz. Decidido a combater a pecha da morosidade, Maurique atacou o mal com método: criou metas, padronizou processos e estabeleceu prazos para os julgamentos. “Hoje, 90% dos processos recebidos no gabinete são julgados em no máximo quatro meses”, disse. Em entrevista por telefone a VEJA, o desembargador do Tribunal Federal da 4ª Região conta como foi o processo, analisa como o Judiciário pode melhorar e fala da morte do ministro do STF Teori Zavascki, de quem foi colega.
Quanto o Judiciário brasileiro perde com a morte de Teori? Muito. Ele era técnico, falava pouco e era discreto. Além disso, era um profundo conhecedor do Direito. Seus votos eram concisos e ao mesmo tempo profundos: em vez ficar citando juridiquês de cima a baixo, ele ia direto ao ponto. Não é sempre que a gente encontra juízes do gabarito dele. Era muito trabalhador e não se deixava se levar por paixão. Era uma referência para todos nós. Ele só se alterava um pouco quando o assunto era o Grêmio.
De onde veio o desejo de implantar o ISO 9001 no seu gabinete? Não adianta dar uma excelente decisão depois de muito tempo, porque a parte quer uma solução para a vida dela. Nas varas por onde trabalhei sempre me preocupei com eficiência, com prazos rápidos e com um julgamento que fosse claro para que as pessoas entendessem o que nos levou àquela decisão. Sempre insisti para que quem chegasse ao balcão da vara saísse de lá com uma resposta. Quando fui promovido a desembargador em 2012, reuni a equipe do gabinete e disse que primeiro iríamos atacar os processos mais antigos. Eu tinha processos de 2006. Quando chegamos ao ponto de trabalhar com os processos de no máximo um ano, decidimos certificar essa excelência para fazer um controle de qualidade do trabalho. Então, procurei informação sobre o ISO 9001 com o departamento de planejamento do tribunal.
E como foi o processo? Todos nós recebemos treinamento sobre a necessidade de obter a certificação e começamos a fazer o que a norma exige, que é uma padronização de procedimentos. Quando recebo uma apelação em determinada área, há uma sequência a ser seguida. E faz-se sempre o mesmo: verificamos se a outra parte foi intimada, se ela apresentou contrarrazões, se tem advogado ou não, etc. É como o checklist que os pilotos fazem antes da decolagem, mas para cada tipo de ação. O olhar diferente deve ser dado na hora da decisão, mas até lá deve-se seguir uma série de normas-padrão. Isso acelera os resultados.
Quanto tempo demorou? Foi cerca de um ano. Recebemos o treinamento, fomos submetidos a uma auditoria interna, que faz o checklist com apoio de todos os funcionários já treinados e consertou o que ainda não estava de acordo com os padrões da norma. Depois, chama-se um auditor externo, que só presta contas para o ISO, que checou se realmente estávamos atendendo a todos os requisitos. Daqui a dois anos, vou sofrer uma nova auditoria para saber o que melhorou desde a última avaliação. Se nada mudou ou ficou igual, posso perder a certificação, pois ela pede uma melhoria contínua.
Quanto custou? Eu precisava justificar para o tribunal os 14 mil reais que gastei na contratação da auditoria. Estipulamos como objetivo que 90% dos processos recebidos no gabinete deveriam ser julgados em no máximo quatro meses. Além disso, a norma estabelece que as pessoas conheçam nosso trabalho, que sejam bem-atendidas e tenham direito a uma duração razoável do processo. E o auditor vai conferir se estou cumprindo isso ou se é só discurso.
Houve resistência no meio jurídico? No começo houve uma resistência interna dos funcionários do gabinete, na linha ‘sempre fiz assim e não quero mudar’. Mas começamos a fazer reuniões para mostrar os benefícios da norma. No âmbito externo, não teve resistência.
Mas há tribunais que são refratários à modernização, não? Tem tribunal que é muito refratário a mudanças, porque avalia que está fazendo um bom trabalho e não consegue ouvir o outro lado. Há pouco diálogo com os advogados, com o Ministério Público e com os próprios colegas. Então há juiz que acha que está tudo ótimo, mas tem processos parados há 10 anos.
É difícil para um juiz se submeter a avaliações externas? É… Juiz nenhum gosta. É difícil de aceitar que venha alguém que não é da área do Direito te avaliar. Mas não é uma avaliação de conteúdo e sim de procedimentos.
Isso mexe com o ego do juiz? Sem dúvida. Nós, juízes, temos uma proteção muito grande. Se eu julgar A, B ou C, isso não vai me ocasionar nenhuma represália. Essa rede de proteção é fundamental para um bom trabalho, mas às vezes somos tão protegidos que nosso ego cresce demais. Sempre que o Judiciário sofre uma crítica, dizem que estão afrontando a sua independência. O Judiciário tem que receber críticas que sejam fundamentadas, porque isso faz parte da democracia.
Esse isolamento do Judiciário não é combatido? É uma luta constante para afastar essa ideia. Mas alguns colegas, em alguns locais, acham que tem direito a uma relação diferenciada. Quando eu era presidente da Ajufes (Associação dos Juízes Federais do Brasil), recebi uma demanda de um colega querendo que todos os juízes federais tivessem passaporte diplomáticos. É uma mentalidade ruim, mas está sendo duramente combatida.
Por que a Justiça é tão lenta no Brasil? Há fatores externos, como o tratamento diferente que é dado ao Poder Público, o que termina atrasando nosso trabalho. Mas a maior parte da culpa é mesmo do Judiciário, porque não estabelece metas, não tem métodos uniformes de julgamento e se acostumou a não ser cobrado. Existem exceções, claro, mas muitas vezes o próprio o Judiciário fica se perdendo em discussões inúteis com as partes.
Afinal, o que tanto trava a Justiça brasileira? É um pouco da nossa herança lusitana de muita formalidade. Outra coisa é a legislação, historicamente ruim. A última reforma do Código de Processo Civil, o que entrou em vigor ano passado, agravou a morosidade. Por exemplo, antes a gente contava os prazos em dias corridos; agora, são em dias úteis.
O que o Judiciário precisa fazer ganhar celeridade? Todos os juízes e funcionários têm que encarar a sua função como um serviço a ser prestado para o público, ou seja, a quem o paga. Por isso, tem que atender bem e prestar um bom serviço que tenha a melhor qualidade possível. Essa mentalidade do ‘passei no concurso e agora vou levar o emprego do meu jeito’ precisa acabar. O profissional tem que encarar a função como um serviço a ser avaliado para quem foi prestado, o público. O Judiciário tem que se adaptar aos tempos de crise, tem que gastar com melhor qualidade, tentar economizar, planejar melhor as atividades. Ainda há muita resistência – ninguém quer perder o tratamento diferenciado –, mas é necessário.


Fonte:http://veja.abril.com.br/brasil/o-judiciario-se-acostumou-a-nao-ser-cobrado/