Ministério Público enviou dados à Justiça e pediu, de novo, veto ao evento.
Governo se restringiu a informar que tenta 'reduzir ao máximo os custos'.
Um levantamento feito pelo Ministério Público aponta que o Distrito Federal cancelou verba de programas prioritários – como alimentação de presidiários, transporte de alunos da educação especial, reforma de escolas, atendimento a vítimas de agressão doméstica e manutenção de podas – para repassar o dinheiro para realização da festa de réveillon na Esplanada dos Ministérios. O evento é orçado em 1,6 milhão e tem como principais atrações a dupla de sertanejo universitário Thaeme e Thiago o cantor de "funk ostentação" MC Gui.
As informações foram coletadas no Diário Oficial. De acordo com o documento, entre os cortes feitos pelo governo para custear a festividade estão o de R$ 165.043 do fornecimento de alimentação aos presidiários, R$ 1.168.652 da manutenção de áreas urbanizadas e ajardinadas, R$ 1.808.952 da manutenção do sistema socioeducativo e R$ 220.989 de reformas de unidade de ensino fundamental (veja dados completos na tabela).
O G1 liga e envia e-mails para a Secretaria de Comunicação questionando a medida desde sexta-feira (26), mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Responsável pela organização da atividade, a Secretaria de Turismo disse à reportagem que o posicionamento cabe ao Palácio do Buriti.
A pasta se restringiu a falar sobre o planejamento. “[Tentamos] reduzir ao máximo os custos dos equipamentos e serviços necessários à realização das comemorações típicas da época, que costumam ser o destino de mais de cem mil pessoas por ano."
Em documento enviado ao Tribunal de Justiça, o promotor do Ministério Público Antonio Henrique Suxberger e a vice-procuradora-geral do DF, Selma Sauerbronn, criticam a realização da festa. Eles citam o “quadro caótico” vivido atualmente na capital do país e pedira que o órgão voltasse a suspender os editais para contratação da estrutura e das atrações. O TJ, porém, só volta do recesso de fim de ano no dia 6 de janeiro.
“Folhas de pagamento não são honradas, dívidas contratuais com empresas terceirizadas (a implicar igualmente na frustração de verbas alimentares de inúmeros trabalhadores), inexecução de contratos contínuos de manutenção dos logradouros públicos, ausência de execução de verbas de natureza pessoal em áreas constitucionalmente prioritárias, como educação, segurança e transporte etc.”, descrevem.
"Conquanto pareça não se cuidar de área prioritária, vale dizer, é esse cancelamento que tem ensejado o não pagamento de trabalhadores terceirizados justamente nesse final de ano no Distrito Federal. Não é preciso ir longe; as manifestações que têm tomado as vias públicas", completam, "referem-se exatamente a essa massa de trabalhadores que viram frustradas as suas expectativas de serem remunerados pelos seus trabalhos."
Presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias, Leandro Allan Vieira afirmou que o dinheiro tirado da alimentação dos presos fará falta. Eles fazem quatro refeições por dia. O DF conta atualmente com seis presídios, que juntos abrigam 13,5 mil homens e mulheres – mais que o dobro do número de vagas ofertadas, que é 6,6 mil.
“O sistema penitenciário está sucateado, vive um caos na questão estrutural, na questão de equipamentos, de profissionais. Todo e qualquer recurso retirado do sistema penitenciário é um prejuízo enorme ao nosso ver. Os espaços aéreos nas celas estão sendo usados porque não tem mais espaço para os internos dormirem no chão. Não temos aparelho telefônico. Tem menos gente trabalhando do que deveria”, explica.
Membro da Associação dos Conselheiros Tutelares, Victor Nunes também se diz contrário ao corte. O DF conta atualmente com 40 unidades, sendo que 7 delas ainda não têm nem sede. Segundo o Diário Oficial, foram transferidos R$ 234.469 da manutenção dessas entidades.
“Material de escritório, como papel, caneta e clips, parou de ser fornecido em outubro. Houve problemas com relação ao abastecimento do carro, passamos três semanas sem poder abastecer. Conselheiros têm tirado dinheiro do próprio bolso”, afirma. “E temos notícia de que o aluguel está atrasado.”
Trabalhando há dois anos no conselho da Asa Sul, que abrange o setor comercial e a Rodoviária do Plano Piloto, Nunes afirma que os recursos são essenciais para garantir a qualidade do atendimento às crianças. São cerca de 40 orientações por dia e há 350 casos em estudo. O gasto mensal na manutenção do local é de R$ 18 mil.
“Realmente esse recurso faz falta, porque é fundamental que a gente tenha estrutura para poder atuar e salvaguardar a vida de muitas crianças. É uma pena que o estado tenha contingenciado esse recurso, porque realmente a gente tem outras demandas. E olha que no Plano Piloto, que atende classe média e alta, onde há uma cobrança melhor e qualidade melhor, imagina na periferia. Os conselhos da periferia passam por maior dificuldade. Demandar dinheiro para festa, em face da realidade em que se encontra o DF hoje, recurso de áreas essenciais para esse tipo de coisa, para mim, é até um crime”, declarou.
Diretora do Sindicato dos Professores, Rosilene Correa manifestou opinião semelhante. Ela afirma que há muitas escolas precisando de reforma e criticou a transferência de verba do transporte de alunos deficientes e da manutenção da escola infantil para o custeio do evento.
“A nossa avaliação é que na educação falta investimento, jamais teria sobra. Se teria de haver remanejamento, com certeza seria para dentro da própria Educação, porque certamente tem outras áreas necessárias”, disse. “Nada justifica isso. É uma prática de todos os governos, não só desse. Sempre que se precisa de dinheiro, tiram da educação, aproveitam o período de férias, porque aparentemente não tem prejuízo. É lamentável que mais uma vez a educação sofra esse ataque.”
Dificuldades financeiras e réveillon
A crise administrativa afetou os serviços de manutenção de gramados e limpeza de canteiros ornamentais, suspendeu a segunda fase do Programa Asfalto Novo e culminou com o remanejamento de R$ 84 milhões milhões de convênios com o governo federal – incluindo o fomento a programas de combate e prevenção a doenças como dengue e Aids, que apresentaram indicadores ruins neste ano – para pagar dívidas com fornecedores e reabastecer a rede pública com medicamentos e materiais hospitalares.
A crise administrativa afetou os serviços de manutenção de gramados e limpeza de canteiros ornamentais, suspendeu a segunda fase do Programa Asfalto Novo e culminou com o remanejamento de R$ 84 milhões milhões de convênios com o governo federal – incluindo o fomento a programas de combate e prevenção a doenças como dengue e Aids, que apresentaram indicadores ruins neste ano – para pagar dívidas com fornecedores e reabastecer a rede pública com medicamentos e materiais hospitalares.
Além disso, creches conveniadas fecharam as portas por falta de repasse, e motoristas e cobradores de ônibus e micro-ônibus entraram em greve por não terem recebido salário. Servidores concursados da Educação e da Saúde chegaram a fechar o Eixo Monumental dias seguidos contra os atrasos no pagamento. Parte deles ainda não recebeu o 13º.
O GDF alegou que teve uma arrecadação menor do que a esperada e que isso se refletiu na dificuldade para honrar o pagamento de funcionários e manutenção de serviços. A equipe de transição do futuro gestor do Executivo local, Rodrigo Rollemberg, estima que os cofres públicos tenham um rombo de até R$ 3,8 bilhões.
A crise levou a Secretaria de Cultura a anunciar, no dia 11 de novembro, que não haveria festa de fim de ano em Brasília por causa de um decreto de contenção de gastos. Horas depois o porta-voz do governo, André Duda, afirmou que o evento aconteceria "por determinação do governador" e que quem dissesse o contrário estava desautorizado por ele.
O Ministério Público pediu então ao Tribunal de Justiça que proibisse o governo de contratar e pagar três editais relacionados ao evento. Na representação, o MP apontou "indícios da insuficiência dos recursos orçamentários para o adimplemento das obrigações decorrentes do contrato a ser assinado" e disse que o DF poderia infringir a Lei de Licitações e a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a festa ocorreria enquanto pagamentos de salários não estavam sendo honrados.
O TJ acatou liminarmente o pedido e determinou que, a cada ato descumprido – por exemplo, a assinatura de um dos contratos ou o empenho de um dos pagamentos –, o governo pagasse multa de R$ 100 mil. No dia 21 de dezembro, a desembargadora Carmelita Brasil revogou a proibição.
"No que tange à garantia da ordem e economia públicas, e interesse público, observo que o prejuízo resultante da não realização dos pregões eletrônicos e, por conseguinte, da festividade de réveillon, tem resultado mais nocivo à população, haja visto que os critérios orçamentários restaram cumpridos, e a expectativa sobre o ato festivo, inclusive no aspecto turístico e de circulação de bens e riquezas, é assim garantido", afirmou.
FONTE: G1 DF