Coordenador da transição entre os mandatos Rollemberg e Agnelo, Hélio Doyle é um profundo conhecedor da política do DF. Para ele, a população espera um governo inovador, que o petista não foi capaz de fazer
O jornalista defendeu a neutralidade de
Rollemberg no segundo turno: "Ele teria
vencido com 5% a mais de votos"
Rollemberg no segundo turno: "Ele teria
vencido com 5% a mais de votos"
A explicação para tamanha versatilidade é o profissionalismo e a enciclopédia política que carrega na cabeça. Jornalista com passagem em vários veículos, como Veja, Estado de S.Paulo e Correio Braziliense, Doyle tem, como poucos, um profundo conhecimento dos bastidores do poder no Distrito Federal e uma visão estratégica. Todo esse portfólio de políticos é encarado como trabalho. A opção pessoal é pela esquerda, onde começou a atividade política, em 1968, como militante da ala vermelha do PCdoB, uma organização clandestina da qual fez parte até ser extinta em 1985. Sua paixão acadêmica é o regime cubano, que estudou no mestrado e doutorado na Universidade de Brasília (UnB) e em visitas à ilha de Fidel Castro.
Com a racionalidade de consultor de marketing eleitoral, ele defendeu a neutralidade na campanha em relação à disputa presidencial. Rollemberg preferiu anunciar apoio a Aécio Neves (PSDB) enquanto Doyle queria o zero a zero. No silêncio da urna, no entanto, a escolha foi outra. O jornalista confessa ter votado em Dilma Rousseff.
Situação semelhante Doyle viveu em 1993, quando perdeu a filha Mariana, aos 18 anos, do casamento com a ex-deputada Maria José Maninha. O acidente de carro ocorreu meses antes de Doyle mergulhar na campanha de Cristovam. Esse, aliás, é um tema que ainda o abala muito. Difícil falar da menina sem encher os olhos de água. Como consequência, ele trata o trânsito como prioridade na política de governo.
Depois de ter atuado em governos, como o de Cristovam Buarque e de Joaquim Roriz, o que poderá oferecer à administração de Rollemberg?
Ter participado de dois governos, embora não tenha sido por muito tempo — foi um ano no governo Cristovam e um ano e meio no de Roriz —, me deu uma experiência boa e conhecimento do GDF. Sei bem como funciona. Nas funções que desempenhei, Secretaria de Governo e de Relações Institucionais, é possível ter uma visão global, ampla e fica muito perto do governador. Essa vivência pode ajudar o próximo governo.
O senhor é fundador do PT, coordenou a campanha de Cristovam e trabalhou com Roriz, adversário dos petistas. A mudança da chamada esquerda para a oposição provocou críticas. Como encara esses julgamentos?
As pessoas que me criticaram na época voltaram atrás. Eu não mudei de lado. Sempre tive posições claras de esquerda e fui fazer um trabalho profissional com Roriz porque tinha dificuldades de fazer o mesmo com o PT, por conta de divergências que tive com o partido e que me mantiveram afastado. Mas o fato de ter ido para o governo Roriz nunca significou uma adesão ao rorizismo. Aliás, quando trabalhava lá, o pessoal brincava que eu era um petista no governo Roriz.
Havia certa desconfiança dos rorizistas, naquela época quente, do azul contra o vermelho?
Se tinha, não foi uma coisa muito forte. Roriz confiava muito em mim. É claro que ele não me falava tudo, óbvio. Mas, dentro da minha função, cresci muito. Entrei para trabalhar na campanha e o meu papel cresceu. Sempre deixei claro, no entanto, que fui trabalhar com Roriz porque era contra (Geraldo) Magela. Na época, eu dizia que jamais trabalharia se fosse contra Arlete Sampaio, Chico Vigilante ou Maninha, que eram expoentes do PT. Ou contra o Cristovam. Não me sentiria à vontade. Mas não tive o menor problema em fazer a campanha contra o Magela.
Por que trabalhar contra o Magela?
Porque o Magela faria um governo pior do que o Roriz fez. Os governos de Roriz foram claros. O Magela se traveste de PT e faz a velha política. Se bem que hoje grande parte do PT enveredou para isso. Mas Magela, desde o governo Cristovam, era um expoente do toma-lá-da-cá, da troca, de obter vantagens graças ao cargo. No tempo que eu estava no PT, já dizia que o Magela era o PFL no PT.
Magela ficou em terceiro lugar na disputa ao Senado. Na sua opinião, ele perdeu por quê?
Nunca se ganha ou se perde por uma única razão. É um conjunto de razões. Magela sofreu por causa do desgaste que o PT sofre em Brasília, o desgaste do governo Agnelo, do qual ele participou quase todo o tempo, e também da tática de tentar descontruir o Reguffe. Só se consegue fazer a desconstrução de uma pessoa com consistência nos argumentos e quando o outro não tem defesa.
Por que Reguffe é esse fenômeno de votos?
Porque há um movimento no Brasil – e, em Brasília, foi mais forte – a favor de novas práticas políticas, contra a corrupção, contra a politicagem. Reguffe simboliza isso. Ele criou uma imagem assim muito antes das manifestações de junho. Cumpriu os compromissos que fez. Na cabeça das pessoas, isso é quase exceção. As pessoas estão acostumadas com políticos no Congresso com gabinetes cheios, gente que não trabalha, mutretas com a verba indenizatória. Aí surge um político limpo. Claro que se distingue.
Falando dessa nova política, como explicar que um candidato que foi preso, considerado ficha suja, tenha liderado a campanha nas intenções de votos até ser barrado pela Justiça?
Não existe unanimidade. Quando estou falando da nova política, não digo que 100% dos eleitores comungam disso. Grande parte ainda permanece preso a velhos esquemas. E (o ex-governador) Arruda, embora tenha saído nas condições que saiu e tenha sido preso, é considerado por grande parte de população um bom governador que teve o mandato interrompido. Há ainda um sentimento de parte da população de que todo político rouba. Então, se dá o crédito para o “rouba, mas faz”.
Havia certa desconfiança dos rorizistas, naquela época quente, do azul contra o vermelho?
Se tinha, não foi uma coisa muito forte. Roriz confiava muito em mim. É claro que ele não me falava tudo, óbvio. Mas, dentro da minha função, cresci muito. Entrei para trabalhar na campanha e o meu papel cresceu. Sempre deixei claro, no entanto, que fui trabalhar com Roriz porque era contra (Geraldo) Magela. Na época, eu dizia que jamais trabalharia se fosse contra Arlete Sampaio, Chico Vigilante ou Maninha, que eram expoentes do PT. Ou contra o Cristovam. Não me sentiria à vontade. Mas não tive o menor problema em fazer a campanha contra o Magela.
Por que trabalhar contra o Magela?
Porque o Magela faria um governo pior do que o Roriz fez. Os governos de Roriz foram claros. O Magela se traveste de PT e faz a velha política. Se bem que hoje grande parte do PT enveredou para isso. Mas Magela, desde o governo Cristovam, era um expoente do toma-lá-da-cá, da troca, de obter vantagens graças ao cargo. No tempo que eu estava no PT, já dizia que o Magela era o PFL no PT.
Magela ficou em terceiro lugar na disputa ao Senado. Na sua opinião, ele perdeu por quê?
Nunca se ganha ou se perde por uma única razão. É um conjunto de razões. Magela sofreu por causa do desgaste que o PT sofre em Brasília, o desgaste do governo Agnelo, do qual ele participou quase todo o tempo, e também da tática de tentar descontruir o Reguffe. Só se consegue fazer a desconstrução de uma pessoa com consistência nos argumentos e quando o outro não tem defesa.
Por que Reguffe é esse fenômeno de votos?
Porque há um movimento no Brasil – e, em Brasília, foi mais forte – a favor de novas práticas políticas, contra a corrupção, contra a politicagem. Reguffe simboliza isso. Ele criou uma imagem assim muito antes das manifestações de junho. Cumpriu os compromissos que fez. Na cabeça das pessoas, isso é quase exceção. As pessoas estão acostumadas com políticos no Congresso com gabinetes cheios, gente que não trabalha, mutretas com a verba indenizatória. Aí surge um político limpo. Claro que se distingue.
Falando dessa nova política, como explicar que um candidato que foi preso, considerado ficha suja, tenha liderado a campanha nas intenções de votos até ser barrado pela Justiça?
Não existe unanimidade. Quando estou falando da nova política, não digo que 100% dos eleitores comungam disso. Grande parte ainda permanece preso a velhos esquemas. E (o ex-governador) Arruda, embora tenha saído nas condições que saiu e tenha sido preso, é considerado por grande parte de população um bom governador que teve o mandato interrompido. Há ainda um sentimento de parte da população de que todo político rouba. Então, se dá o crédito para o “rouba, mas faz”.
No final, ele teria conseguido menos voto do que o Frejat teve. O Arruda tem muito voto, mas não a maioria. Não tem 50%. Para nós, era claro, desde o ano passado, que Arruda não passaria de 35%. No segundo turno, haveria uma polarização. Tudo que já há contra Arruda viria à tona, não necessariamente pelo nosso lado. A própria sociedade diria: “Vamos eleger de novo esse cara que levou Brasília a ser execrada no Brasil inteiro?”. O Frejat era um candidato mais forte. Ele tinha chance de ganhar se não estivesse vinculado ao Arruda.
Tendo trabalhado também com Agnelo Queiroz na pré-campanha, que fatores o tiraram do segundo turno?
Nunca é um fator só. O primeiro erro foi na montagem da equipe. Ele fez uma equipe medíocre. Outro erro foi que ele permaneceu na velha política. Esperava-se de um Agnelo Queiroz, que tinha bons mandatos como deputado, que fosse diferente, inovador. O que hoje se espera do Rodrigo já se esperava de Agnelo. Outra coisa: ele nunca aparecia nos momentos críticos. Viajava. O governador precisa aparecer, dar explicações. O Agnelo se omitiu.
O poder fez mal ao PT?
Fez. Não dá para comparar as circunstâncias históricas de hoje com as de 1980. Mas houve mudanças. O PT tinha propostas. Não era só um partido de esquerda. Era contra a corrupção, contra a política tradicional. O Lula chegou a falar de 300 picaretas no Congresso. Ele não estava errado, não. Estava subestimando. Mas depois começou a fazer acordos em nome de um conceito falso de governabilidade. Governabilidade não é fazer acordos espúrios para governar. É ser eficiente e ter apoio da população.
As denúncias de corrupção acabaram com o partido?
Eu me decepciono. Convivi com muitos companheiros que vieram da luta armada, do movimento clandestino e que hoje — vou usar uma palavra antiga — estão totalmente aburguesados. Até na aparência física, barrigudos, com a cara de burguês próspero, que não combina com o PT. Não combina com aquele PT que foi fundado em 1980.
Quando Cristovam ganhou a eleição em 1994, houve uma crise por conta da doação declarada de duas construtoras. Hoje, 20 anos depois, o partido recebe doações de empreiteiras investigadas por envolvimento em corrupção.
De vez em quando, lembro-me disso e até acho graça. Fomos execrados por ter aceitado uma doação da Odebrecht e outra da Via Engenharia. Hoje, as empreiteiras são grandes contribuidoras do PT. Na verdade, esse dinheiro não foi conseguido por nós aqui de Brasília. Foi do PT nacional. Mas assumimos como se fosse nossa iniciativa. Naquela época, havia um setor honesto do PT, em que incluo a Arlete Sampaio, Lauro Campos, Maria Laura Pinheiro, que realmente se indignou porque essa não era uma prática do PT. Havia outro setor que estava fazendo luta política, para me derrubar, atrapalhar o governo Cristovam. Esse setor foi hipócrita. Até porque um dos líderes desse setor, eu soube anos depois, recebeu dinheiro de empreiteira naquela época e não repassou para a campanha do Cristovam.
Depois das eleições, Cristovam apresentou uma lista a Rollemberg dos erros que cometeu quando foi governador. Que falhas Rollemberg não pode repetir?
O maior erro do governo Cristovam foi a inexperiência da maior parte da equipe, na qual me incluo. E tínhamos adversários experientes e preparados. A oposição era muito forte. Outro erro foi levar amigos para o governo, gente que mais atrapalhava do que ajudava.
E os acertos?
O grande acerto foi, de modo geral, fazer um governo limpo. Houve bolsões de corrupção. Não vou dizer que não houve. Mas, por inexperiência ou desconhecimento, Cristovam deixou passar. Mesmo assim, o grande mérito foi fazer um governo limpo e voltado para a parte social. Acho que a grande contribuição foi o Bolsa-Escola, que depois se transformou no Bolsa-Família.
Que cara terá o governo Rollemberg?
Vai ser um governo com uma permanente preocupação com transparência, ética, diálogo e eficiência. Há algumas coisas que são mal compreendidas. Não haverá aquela política de loteamento dos cargos para colocar pessoas incompetentes, desqualificadas, que não vão trabalhar ou que vão criar feudos no governo, como foi na gestão de Agnelo.
Onde houve feudos?
Agnelo entregava as secretarias e cada um fazia o que queria, sem coordenação, apesar das tentativas tardias de dar certa organização.
Tive a ajuda das minhas irmãs, que foram muito mais dedicadas do que eu. Talvez eu usasse o trabalho como compensação. E não foi a primeira vez que fiz isso. Grande parte do motivo de eu ter ido para a campanha do Cristovam e ter me dedicado 24 horas por dia foi porque, pouco tempo antes, eu tinha perdido a minha filha. A Mariana morreu em 1993 e a campanha do Cristovam foi uma grande saída para mim.
A sua filha morreu num acidente. Depois disso, passou a olhar o trânsito de outra forma, com mais preocupação?
Ela tinha 18 anos. Sou muito ligado nessas questões de trânsito. Havia uma época em que eu brincava: devia ser diretor do Detran. Acho um absurdo a falta de fiscalização e de estrutura. É um tema que precisa ser prioridade. Se a Ponte do Bragueto estivesse, na época que ela morreu, como está hoje, não teria o acidente. Não havia guardrail, pista de contenção. Um caminhão a jogou para cima do poste. Mudei muito depois. Meu estado de espírito mudou. Eu era mais solto, mais expansivo.
O senhor foi casado e tem duas filhas com a Maninha, que estava na candidatura do Toninho do PSOL, enquanto você coordenava a do Rolllemberg. Como é a relação com ela em campos diferentes na política e com as meninas divididas entre duas candidaturas?
Não converso absolutamente nada com as minhas filhas sobre isso, para não criar constrangimentos. Eu tenho uma filha que se manifestava claramente no Facebook a favor do Toninho e da Maninha. Nunca comentei esse assunto com ela. A outra é mais discreta. Desde jovem evito discutir política em família. Vira discussão de botequim e eu gosto de debater política com profundidade. Eu tive muito problema em família quando fui trabalhar com Roriz. Meus filhos e a minha mulher, Patrícia, detestaram.
Falando de conversa em família, Rollemberg integra um clã enorme, com 110 membros em Brasília. De alguma forma, eles vão interferir no governo?
Acho que não. Todos são muito conscientes de que não devem misturar as coisas, tanto que não interferiram na campanha. Ele tem uma filha que é advogada eleitoral e naturalmente participava. Sou muito amigo do Armando, que é jornalista, e ele apenas ligava de vez em quando, de uma maneira muito correta, para dar sugestões.
O senhor foi uma voz dissonante na campanha em relação à declaração de apoio de Rollemberg a Aécio Neves. Qual foi a sua avaliação nesse caso?
Avaliei sob o ponto de vista eleitoral. Considerei que não havia necessidade de optar por um dos candidatos à presidência. A neutralidade somaria mais para ele. Ele não perderia votos dos eleitores do Aécio e ganharia entre os eleitores da Dilma. Se o Rodrigo não tivesse tomado essa posição, teria uns 5% de votos a mais. Eu sabia que não impediria a eleição, mas ele poderia ter ganhado mais. Mas a minha posição pessoal era de que, entre Aécio e Dilma, eu prefiro a Dilma. Votei na Dilma. Mas isso não interferiu na minha posição na campanha.
Depois da eleição, com novas denúncias da Operação Lava-Jato, ainda acha que votou certo?
Dilma não é a presidente do meu sonho. Discordo de vários pontos, mas é uma opção ideológica que faço porque, entre uma posição mais à esquerda e outra neoliberal, fico com a esquerda. Um fator que pesou demais para mim e considero quase decisivo foi a questão internacional. A política externa dos tucanos, do Fernando Henrique, foi desastrosa.
Ana Maria Campos
FONTE: http://sites.correioweb.com.br/app/noticia/encontro/revista/2014/12/26/interna_revista,1925/u201co-agnelo-se-omitiu.shtml
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