Já há ao menos dezoito casos documentados de torturas contra cidadãos
Diego Braga Norte, de Caracas
Jovem venezuelano que disse ter sido torturado mostra as marcas da agressão (Reprodução/Twitter)
“A tortura é a pior forma de violência do Estado. Os jovens venezuelanos torturados mostram que a máscara de democracia do regime caiu”. Com estas palavras, a deputada opositora María Corina Machado denuncia os casos de tortura relatados na Venezuela desde o início da onda de protestos contra o governo, há mais de duas semanas. A ONG Foro Penal Venezuelano tem documentados dezoito casos. “Todas estas pessoas tiveram seu direito de defesa violado. Não foi permitido que entrassem em contato com seus advogados e foram forçados a assinar um documento reconhecendo que, sim, foram atendidos por advogados”, afirmou o diretor da organização, Alfredo Romero.
Um dos relatos mais abomináveis é o de um estudante de 21 anos que disse ter sido agredido e violado por um cano de fuzil por integrantes da Guarda Nacional Bolivariana, em Valência, no estado de Carabobo, na noite do dia 13. “Ele chegou em sua casa com muitos hematomas e escoriações após deixar a prisão”, disse a deputada, que conversou com a mãe do jovem.
“Bateram muito em mim, nas costelas, na cabeça. Caí no chão e me chutaram", contou o jovem em entrevista à imprensa local. “Quando chegamos ao Comando da Guarda Nacional em Tocuyito [cidade vizinha de Valência] passamos por um cão e ordenaram para ele me morder" – prossegue o relato. “Abaixaram minha calça e colocaram o cano de um fuzil em meu ânus”.
Em outro caso, publicado pelo jornal espanhol El País, um jovem de 23 anos foi detido por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) no dia 12, quando três pessoas morreram nos protestos. A família ficou sem notícias do jovem detido durante 30 horas. Neste período, segundo relato da mãe, que não quis se identificar com medo de represálias, ele foi espancado de forma selvagem, recebeu descargas elétricas no pescoço e foi alvo de pauladas. “Isso sem contar a tortura psicológica. Diziam a ele que estavam violentando a mim e à irmã dele”.
Os casos compilados pela ONG incluem um vasto repertório de crueldades: sacos na cabeça, choques elétricos, espancamentos com bastões de madeira. O Foro Penal, que presta assistência jurídica para manifestantes presos e torturados, afirmou ter levado os casos ao Ministério Público venezuelano e garantiu que seguirá acompanhando os processos. A Fiscal Geral da República, Luisa Ortega Díaz, que comanda o Ministério Público venezuelano, afirmou que “não é verdade que houve violação de acordo com o reconhecimento forense. Todos os testes provaram que esta afirmação não é verdadeira” (...) “O médico determinou um diagnóstico de contusões leves”.
As fotos do jovem que violentado, porém, mostram muito mais que contusões leves. “Ele está com marcas de violência da cabeça aos pés e me disse que assim que puder, vai retornar às ruas para protestar. Os valores humanos não são negociáveis, a vida humana não pode ser assim agredida pelo Estado”, ressalta María Corina. (Continue lendo o texto)
Manifestante segura um cartaz em frente a policiais da guarda nacional em frente a embaixada de Cuba em Caracas, na Venezuela - 25/02/2014 - Jorge Silva/Reuters
O presidente Nicolás Maduro afirmou, dias depois da morte dos dois, que integrantes da polícia política havia desobedecido uma ordem de permanecer nos quartéis e atuado por conta própria nos protestos. A tentativa de isolar o caso se choca com a realidade do endurecimento da repressão aos estudantes e à oposição com o uso de milícias para atacar os estudantes. Os homens armados que atiram nos jovens e se deslocam em motos não agem sem o aval da cúpula chavista.
Papa Francisco – Nesta quarta, o papa Francisco pediu “perdão recíproco e diálogo sincero” na Venezuela. Dizendo-se “particularmente preocupado” com a situação no país, o pontífice fez um chamado aos políticos para quem tomem a iniciativa de acalmar a nação. "Eu espero sinceramente que a violência e a hostilidade terminem tão logo quanto possível e que o povo venezuelano, a começar com as instituições e políticos responsáveis, atue para forjar a reconciliação nacional por meio do perdão mútuo e diálogo sincero". As discussões têm de ser baseadas na "verdade e justiça", acrescentou Francisco, e ser capazes de enfrentar "questões concretas para o bem comum".
Na capital, Caracas, houve novas manifestações nesta quarta. Mulheres partidárias da oposição saíram às ruas vestidas de branco para uma passeata silenciosa até a base da Guarda Nacional. Elas levavam fotos de vítimas dos protestos. "Vocês podem desobedecer a ordens ilegais. Vocês podem refutar um superior se ele os forçar a cometer um crime... não manchem a honra de sua família", disseram, em uma carta aberta aos soldados.
Também em Caracas, agricultores seguiram numa marcha até o palácio presidencial para expressar apoio a Maduro. Vestidos de vermelho, a cor do governista PSUV, eles ocuparam o centro da cidade sob o slogan "semeando paz e colhendo vida".
Venezuela: a herança maldita de Chávez
Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela em fevereiro de 1999 e, ao longo de catorze anos, criou gigantescos desequilíbrios econômicos, acabou com a independência das instituições e deixou um legado problemático para seu sucessor, Nicolás Maduro. Confira:
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Criminalidade alta
A criminalidade disparou na Venezuela ao longo dos 14 anos de governo Chávez. Em 1999, quando se elegeu, o país registrava cerca de 6 000 mortes por ano, a uma taxa de 25 por 100 000 habitantes, maior que a do Iraque e semelhante à do Brasil, que já é considerada elevada. Segundo a ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV), em 2011, foram cometidos 20 000 assassinatos do país, em um índice de 67 homicídios por 100.000 habitantes. Em 2013, foram mortas na Venezuela quase 25 000 pessoas, cinco vezes mais do que em 1998, quando Hugo Chávez foi eleito.
Apesar de rica em petróleo, a Venezuela é o país com a terceira maior taxa de homicídios do mundo, atrás de Honduras e El Salvador. Entre as razões para tanto está a baixa proporção de criminosos presos. Enquanto no Brasil a média é de 274 presos para cada 100 000 habitantes, na Venezuela o índice está em 161. De acordo com uma ONG que promove os direitos humanos na Venezuela, a Cofavic, em 96% dos casos de homicídio os responsáveis pelos crimes não são condenados.
(Com agência Reuters)
FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/casos-de-tortura-sao-relatados-em-meio-a-repressao-na-venezuela
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