Arquivo expõe detalhes de sistema de espionagem regional
Marcelo de Moraes - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Se hoje reclama da espionagem dos EUA, durante
a ditadura o governo brasileiro criou uma rede oficial de
recolhimento de dados sigilosos na tentativa de monitorar os segredos militares
e estratégicos dos países vizinhos da América Latina. Arquivos secretos e
inéditos do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), aos quais o Estado teve
acesso e acabam de ser desclassificados pelo Arquivo Nacional, em Brasília,
mostram que, numa reunião do órgão, em agosto de 1978, foi criado o "Plano de
Informações Estratégicas Militares", que descreve o esquema de espionagem
organizado pelo Brasil.
'Plano de Informações Estratégicas Militares'
No Anexo A do arquivo é detalhado o "Plano de Busca
Número 1", que, segundo o
documento, "orienta, sistematiza, define responsabilidades e fixa prazos
para as atividades de informações externas, relacionadas com o Plano de
Informações Estratégicas Militares (Piem)".
A
tarefa era clara: fornecer ao governo brasileiro informações estratégicas e
secretas dos países da América Latina, deixando apenas EUA e Canadá de fora do
plano. O documento mostra que essa missão caberia não apenas a adidos militares
brasileiros no exterior, mas também ao Itamaraty.
O item A do "Plano de Busca" determinava:
"os adidos militares atenderão às necessidades de informações da Força Singular ou
Forças Singulares que representam os países onde estão credenciados". O
item B é mais direto ainda em relação à espionagem militar. "O Ministério
das Relações Exteriores atenderá às necessidades de informações estratégicas
militares dos países da América Latina onde as Forças Armadas não estejam
representadas por adidos militares."
Uma
detalhada planilha, chamada de "Apêndice Número 1 ao Plano de Busca Número
1" explica o que cada órgão de inteligência deveria investigar nos países
vizinhos. Cinco órgãos de busca participavam dessa coleta de informações
estratégicas. Quatro deles eram vinculados às Forças Armadas e o quinto era o
Itamaraty, a quem cabia a tarefa mais ampla na captação de dados.
Informações. São
informações de todos os tipos que estão preestabelecidas no documento e não
deixam dúvidas de que o objetivo era descobrir segredos militares dos vizinhos.
Entre as tarefas estão a coleta de informações sobre a estrutura geral dos
ministérios militares; sua organização e funcionamento;
composição de cada Força; comandos; efetivos e equipamentos; distribuição e
ordem de batalha; serviço militar; forças terrestres, navais, aéreas e
combinadas; zonas defendidas; bases e obras permanentes no interior e no
litoral; estrutura de defesa antiaérea, instalações subterrâneas; organização
logística de forças terrestre, naval e aérea; contingente demográfico em idade
militar, criação de animais de guerra, população de equinos, material bélico e
até atividades de guerrilheiros, entre muitos outros itens. Todas essas
planilhas receberam a classificação de secretas pelo EMFA.
A
periodicidade do envio dessas informações também estava definida no plano. A
maioria deveria ser enviada anualmente, seguindo uma data fixada pelos
militares. O levantamento sobre a organização das Forças Armadas dos vizinhos,
por exemplo, deveria ser enviado todos os anos em abril, assim como os dados
sobre instalações de defesa. Informações sobre logística militar tinham como
prazo de entrega o mês de julho, mesmo prazo estipulado para envio de
informações sobre movimentos guerrilheiros nos países observados.
Informações
consideradas mais relevantes, como a de mobilização militar, deveriam ser
repassadas para o governo brasileiro assim que fossem obtidas. Já se sabia que
os diplomatas brasileiros, por instrução do governo militar, monitoravam as
atividades de integrantes de grupos de esquerda no exterior durante a ditadura.
Monitoramento. Uma
série de reportagens, publicada em 2007 pelo Correio Braziliense, mostrou que
os adversários do regime militar eram acompanhados pela ação do Centro de
Informações do Exterior (Ciex), que fazia parte da estrutura do Itamaraty. Por
meio desse monitoramento, inúmeras prisões foram feitas.
Agora,
os novos papéis do EMFA mostram que os militares brasileiros também se
organizaram para usar a estrutura de trabalho dos adidos e dos diplomatas para
recolher dados confidenciais que poderiam pesar a favor do Brasil no caso de um
conflito com algum país vizinho.
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