48% dos servidores públicos entregaram um ou mais atestados no período. Estudo foi feito por subsecretária; Educação e Saúde têm maiores faltas.
Raquel Morais, do G1 DF – Quase metade dos servidores públicos do Distrito Federal entregam um ou mais atestados médicos por ano, de acordo com levantamento feito pelo próprio governo. O estudo, apresentado neste ano no Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad), descarta licenças-maternidade e possíveis atestados falsos. A estimativa é de que o Executivo gaste R$ 427 milhões a cada 12 meses para manter esses funcionários durante o período de afastamento. O índice, chamado de absenteísmo-doença, ficou em 48% e é superior ao nacional – 37%.
Os dados levam em conta documentos dos anos de 2011 e 2012 e foram coletados a partir dos CPFs dos funcionários, para evitar duplicidade. De acordo com a pesquisa, as secretarias onde proporcionalmente os servidores entregaram os maiores números de atestados médicos foram Educação, Saúde e Justiça. Na primeira, 58% dos trabalhadores apresentaram um ou mais documentos ao longo do ano. Na segunda, 48%, e, na terceira, 47%. A média de dias de afastamento é de 14,3, e os motivos mais frequentes são ansiedade e depressão.
O secretário de Educação, Marcelo Aguiar, reconheceu os altos índices e afirmou que a pasta tenta identificar as razões para isso. “Não tenho uma explicação pronta, só não acredito que seja uma categoria tão doente para ter esse índice de afastamento. É preciso investigar as causas, saber o motivo desse elevado número de doenças”, declarou.
Aguiar também disse que a corregedoria está investigando denúncias de “uso indevido de licenças”. A pasta recebe diariamente 250 atestados. A Secretaria de Educação tem aproximadamente 50 mil servidores e, segundo o gestor, quase 100% dos atestados foram entregues por professores.
“O ambiente não é insalubre. Não posso dizer isso de uma escola, onde convivem centenas, milhares de alunos todos os dias. Se fosse, não só os professores mas também os outros estariam doentes”, afirmou. “Pedi para se fazer um levantamento das ocorrências e da localização delas. Vamos entregar até o final do ano, para a [equipe de] transição do governo, para que eles possam avaliar o que fazer a partir de janeiro.”
Já para o coordenador de imprensa do Sindicato dos Professores, Cláudio Antunes, fatores relacionados ao espaço escolar influenciam no alto índice de adoecimento da categoria. Entre eles, citou o número de alunos por turma – 30% acima de colégios europeus, o que dificulta ao professor saber os nomes de todos os alunos –, a falta de internet e recursos online em salas de aula e a ausência de espaços apropriados para alongamentos e descansos.
“A própria natureza da carreira pressupõe isso [que professores estão mais vulneráveis], porque há um desgaste emocional e físico muito grande. Professor tem problema na voz, tendinite. Também temos um quadro grande de adoecimento na área emocional, psicológica mesmo. O professor não entra na sala de aula só para dar o conteúdo. Ele tem que mediar os conflitos que vão além do muro da escola, ouve histórias das agressões que as crianças sofrem dentro de casa ou todas as questões dos adolescentes”, conta.
Servidores da Secretaria de Saúde, que aparecem em segundo lugar na lista, relataram questões semelhantes. Presidente do Sindicato dos Médicos, Gutemberg Fialho disse ao G1 que os colegas sofrem frequentemente com angústias e estresse relacionados à falta de materiais hospitalares e às situações dos pacientes.
“Você trabalha sozinho, você trabalha com uma sobrecarga de trabalho enorme, pressão, agressão. [...] Colega vai para lá e tem sobrecarga enorme, insegurança no local de trabalho, insegurança física, tanto que os médicos mais jovens estão entrando e em pouco tempo pedem demissão por causa disso. Nas unidades antigas, que foram reformadas, a sobrecarga de trabalho continua a mesma. Os pacientes continuam nos corredores. Houve maquiagem, mas as condições humanas são as mesmas. Não tem melhora nenhuma. Você tem um paciente grave, em condições de UTI, você diz qual política deve ser aplicada, mas não consegue. Isso te deixa muito mal”, declarou.
A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde, Marli Rodrigues, afirmou ainda que faltam políticas para cuidar da saúde dos trabalhadores. A entidade representa 104 categorias e estuda, para o próximo ano, uma proposta que possa dar suporte aos profissionais.
“Quem cuida da saúde do povo é tratado pelo governo de forma geral como máquina, não ser humano. Trabalhamos em ambiente insalubre, temos chefias perseguidoras. Isso traz doenças psicológicas, e depois o funcionário começa a sofrer outras doenças por causa da pressão das péssimas condições de trabalho, de o trabalho ser exaustivo, da falta de recursos humanos”, disse.
“Em Taguatinga, por exemplo, tem auxiliares de enfermagem da cardiologia que, por se recusarem a fazer função de enfermeiro, foram colocados à disposição para serem trocadas de setor. Tem 17 anos lá e passaram por isso, desenvolveram hipertensão. Essas senhoras têm 50 e 51 anos. Elas se recusaram porque realmente não podem fazer isso”, completou Marli.
A secretária de Saúde, Marília Cunha, reconhece que existe sobrecarga de trabalho em algumas áreas, mas discorda que o ambiente de trabalho propicie o alto número de atestados médicos. Somente entre 1º de janeiro e 30 de setembro deste ano, a pasta recebeu 29.317 documentos. A secretaria tem 35 mil servidores.
“Eu não posso mais dizer hoje sobre ambiente de trabalho que seja um problema, porque todas as unidades foram reformadas, todos os hospitais foram reformados, [têm] equipamentos novos, tudo limpinho e arrumadinho. Eu não posso dizer que isso acontece por causa disso”, declarou.
Ela afirma que dois fatores influenciam nisso: o fato de a secretaria ter um grande número de funcionários mais velhos e os cuidados maiores que trabalhadores da área têm com saúde, o que os levaria a respeitar mais os limites do corpo e tirar atestados quando ficam doentes.
A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde rebateu a fala da secretária. “Posso afirmar que nem todo mundo que está doente entra de atestado. A maioria das pessoas trabalha mesmo doente, para não deixar o colega sozinho. Temos exemplos assim, de ir se arrastando.”
PREOCUPAÇÃO
Responsável pela condução do projeto, a subsecretária de Saúde, Segurança e Previdência dos Servidores do DF, Luciane Kozics Araújo, disse por telefone considerar que um levantamento com dados mais recentes possa mostrar uma situação até mesmo “pior”. “O que se destaca aqui é que temos metade da nossa força de trabalho ficando doente. E, como até então a gente não tinha um panorama disso, não havia como traçar políticas específicas.”
Atualmente, o DF tem oito núcleos voltados à saúde do trabalhador, que funcionam nos hospitais regionais de Ceilândia, Paranoá, Asa Norte, Sobradinho, Gama e Santa Maria, Materno Infantil e Base. Eles oferecem, junto com o ambulatório do servidor, os serviços de acupuntura, fisioterapia, psiquiatria, dermatologia e otorrino, automassagem e meditação.
De acordo com a Secretaria de Saúde, também estão em formação espaços semelhantes nas unidades de Brazlândia, Guará, Núcleo Bandeirante, Planaltina e São Vicente de Paulo, além do Samu. As datas previstas para entrega desses núcleos não foram informadas.
Especialista em clínica médica, uma profissional do Hospital Regional da Asa Norte que preferiu não se identificar afirmou que os colegas realmente sentem falta de amparo. “A gente tem uma equipe que trabalha muito, a gente tem um trabalho excessivo. A gente se desdobra para que as coisas funcionem, mesmo que a gente não tenha as condições mínimas para isso. Eu já cansei de trabalhar doente. Teve uma época que fiquei 15 dias seguidos com febre e ia trabalhar porque não queria deixar os colegas na mão”, contou.
Também preferindo não se identificar, um pediatra que trabalha em Taguatinga afirmou ao G1 ter vivido uma situação parecida. “Meu último atestado foi há três anos, quando fiz cirurgia. Isso não significa que eu não fiquei doente, mas eu já fui trabalhar até afônico. Eu não conseguia falar nada, escrevia no papelzinho para pedir ao paciente para contar a história dele.”
Diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, Marcia Bandini afirmou que transtornos mentais relacionados ao trabalho representam a segunda causa de incapacitação dos trabalhadores, ficando atrás apenas de distúrbios musculoesqueléticos – dor nas costas, ombros, joelhos e pés.
“Entre trabalhadores que lidam diretamente com o público, os transtornos mentais tendem a ser mais frequentes. Professores, profissionais de saúde, policiais, dentre outros servidores públicos, apresentam esses transtornos com mais regularidade. Estresse da atividade, trabalho executado sem condições favoráveis, longas jornadas e outros fatores psicossociais são prováveis causas que precisam ser consideradas e devidamente avaliadas”, explica.
A especialista disse que os dados indicados pela pesquisa são preocupantes e denotam “falhas na organização do trabalho e na promoção de um trabalho saudável”. Além disso, segundo ela, a situação repercute na sobrecarga dos colegas, em prejuízos no atendimento à população e em uma piora no ambiente de trabalho. “Tudo isso alimenta um ciclo vicioso de um trabalho que adoece.”
“O planejamento do trabalho, com alocação adequada de recursos, financeiros, humanos, equipamentos etc., tende a distribuir as atividades de maneira mais justa, reduzindo a pressão entre os servidores. Ter ferramentas adequadas para as tarefas, bom relacionamento entre pares e supervisão, deixar claras as regras sobre desempenho e expectativas, ter reconhecimento pelo trabalho bem feito, haver clareza na comunicação interna, trabalhar em jornadas adequadas, receber remuneração justa são características mais valiosas do que ter intervalos, apesar de esses serem importantes também”, declarou.
A subsecretária Luciane Araújo destacou as iniciativas do governo para combater essa situação. Em 2012, o GDF instituiu a Política Integrada de Atenção a Saúde do Servidor. Com isso, criou parâmetros e implantou programas de promoção na área de saúde do servidor.
“Reitero a necessidade de monitorarmos os indicadores organizacionais. Historicamente, não haviam dados, hoje temos a possibilidade de traçar políticas embasadas nos adoecimentos. É necessário olharmos para a forma de organização de trabalho, relações socioprofissionais e condições laborais. Assim, poderemos de fato atuar na promoção e prevenção ao invés da reparação dos danos.”
Em nota, a equipe de transição do governador eleito, Rodrigo Rollemberg, disse ao G1 que tomou conhecimento dos dados. “A saúde do trabalhador, essencial para o êxito do sistema de saúde, será uma prioridade no novo governo, mas as políticas e ações concretas a serem adotadas para redução desses índices ainda estão em estudo pelo grupo de trabalho do tema.”
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