domingo, 21 de setembro de 2014

Dias Toffoli: "O uso do Alvorada é uma vantagem indevida"


O presidente do TSE diz que a presidente Dilma Rousseff, ao usar o Palácio da Alvorada como cenário de entrevistas e de sua propaganda eleitoral, infringe a legislação.

Aos 47 anos, o ministro José Antonio Dias Toffoli está com a grave incumbência de presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nestas eleições gerais. Cabe ao TSE gerir o processo eleitoral e decidir sobre os litígios que envolvem os candidatos na disputa. Antes de chegar à magistratura, Toffoli foi advogado eleitoral do PT e advogado-geral da União, no governo Lula. Ele diz que esse tipo de relação, comum na biografia de outros ministros, não impede os integrantes do Tribunal de agir com isenção e independência. Na prática, Toffoli demonstra essa atitude com decisões que já contrariaram a campanha da presidente Dilma Rousseff.

ÉPOCA –  A presidente Dilma Rousseff dá esporádicas entrevistas  para a imprensa, afora curtas declarações no dia a dia. Nesta campanha, ela passou a dar entrevistas todos os domingos no Palácio da Alvorada, já usado também para seu programa eleitoral na TV. Esse uso de um imóvel público não a coloca em vantagem em relação a outros candidatos? ...
José Antonio Dias Toffoli – Sobre as entrevistas nos finais de semana no Palácio da Alvorada, não me manifestarei porque, até onde sei, não houve representação ao TSE. Em outros casos de uso do Alvorada, como uma entrevista pelo Facebook dada por ela, votei a favor da procedência da representação, para impedir que isso ocorra novamente, e da aplicação de multa. Usar símbolos de poder num ato de campanha é algo que a legislação não permite. A biblioteca do Palácio da Alvorada, no meu entender, é um símbolo de poder. Para falar de suas obras e projetos, ela dispõe do horário eleitoral gratuito e dos comícios, das carreatas e das reuniões públicas. Outra coisa é usar os locais próprios do Estado como um símbolo que a diferencia dos outros candidatos. Essa é uma vantagem indevida. A Justiça Eleitoral, quando se trata de prefeitos, age para impedir esse uso de bens públicos. Não podemos ter aqui uma jurisprudência que, quando se trata do pequeno, seja rígida e sancionatória e, quando se trata do grande, seja flexível.

ÉPOCA –  Esse tipo de vantagem e outras possibilidades de uso da máquina pública explicam esse crescente movimento de políticos a favor do fim da reeleição?
Dias Toffoli – O instituto da reeleição veio dar uma estabilidade maior à Presidência da República. Ao estudar a história do Brasil, podemos verificar que todos os presidentes eleitos pelo voto popular, mesmo aqueles que exerceram o cargo em momentos de autoritarismo, tiveram grandes dificuldades de governança. A possibilidade de reeleição deu uma musculatura maior à Presidência. Para usar uma expressão popular, a reeleição aumenta o potencial de que “o café não esfrie tão cedo”. Se um presidente tem quatro ou cinco anos de mandato, com dois anos e pouco, o café que lhe é servido logo fica frio. Se há a perspectiva de reeleição, as pessoas passam a respeitá-lo mais, porque sabem que ele poderá permanecer no poder. Do ponto de vista institucional, isso é positivo. Como vemos na atual campanha presidencial, a reeleição, por si só, não garante um segundo mandato. O candidato à reeleição carrega o bônus e também o ônus do cargo. Tem de responder pelo que não fez. A presidente Dilma enfrenta agora dificuldades que ela, como candidata em 2010, não enfrentou, porque há um desgaste natural quando um determinado grupo passa muito tempo no poder.

ÉPOCA – Por que o senhor defende o fim da reeleição para prefeitos? 
Dias Toffoli – Qual a diferença entre a reeleição para prefeitos e a reeleição para a Presidência da República? O Brasil é uma federação e não tem uma elite nacional. A elite de Brasília passa pela Esplanada dos Ministérios, mas não fica aqui. Fernando Henrique Cardoso passou por aqui. Lula passou por aqui.  Itamar Franco passou por aqui. Alguns conseguem ficar 60 anos, como José Sarney, mas porque se unem numa federação de elites regionais que se autoajudam. Essa é a dificuldade para o Brasil ter partidos efetivamente nacionais. É mais fácil você reunir interesses comuns numa bancada ruralista, evangélica ou do movimento LGBT do que fazer composições entre partidos que votem de maneira igual. Por isso, a instabilidade, em nível federal, é muito maior. Quando você fala de uma prefeitura, não há essa instabilidade, porque as elites locais estão lá presentes. Quando um determinado grupo assume o poder numa prefeitura, a possibilidade de reeleição alimenta fortemente a possibilidade de perpetuação desse grupo. Quando não havia a reeleição, o prefeito colocava a mulher ou o filho no lugar. Você tem de criar sistemas para impedir isso. A Justiça Eleitoral, na questão dos parentes, aplica com rigor a inelegibilidade para evitar essa perpetuação.

ÉPOCA –  Qual é o abuso mais comum na reeleição em disputa nos municípios?
Dias Toffoli – No caso da reeleição de prefeitos, o número de compra de votos e uso da máquina é muito grande. O grande mal da cultura política brasileira continua a ser a compra de voto e sua troca por dinheiro, emprego, cesta básica. A Justiça Eleitoral já cassou centenas de vereadores, prefeitos, até senadores da República e governadores por esse tipo de fraude.

"Joaquim Barbosa renunciou ao TSE. Talvez, ele não tenha gostado da Justiça Eleitoral. Eu gosto". DIAS TOFFOLI

ÉPOCA – Estas são as primeiras eleições gerais em pleno vigor da Lei da Ficha Limpa. Mas proliferam casos esdrúxulos, como o ocorrido em Brasília, onde o ex-governador José Roberto Arruda, antes de renunciar, continuou a fazer campanha mesmo com a candidatura impugnada . Por que isso ocorre?
Dias Toffoli – É um direito constitucional de defesa. Enquanto um candidato se defende, ele não pode ser tirado da propaganda política, porque, no futuro, se viesse a obter o direito de ser candidato, não teria como voltar no tempo.

ÉPOCA – Mas não há falhas na lei, de que alguns candidatos impugnados se aproveitam?
Dias Toffoli – A Lei da Ficha Limpa foi bem-intencionada, mas a rapidez com que foi aprovada pelo Congresso, em menos de um mês, fez com que tivesse uma qualidade técnica ruim. Ela poderia ter sido mais bem elaborada. Nos casos de condenação por improbidade ou pelo Tribunal de Contas, a lei diz que é necessário que seja comprovado o dolo do candidato, para que ele seja impugnado. Isso abriu uma brecha, que antes não existia.É importante esse registro porque, às vezes, a sociedade pode se perguntar por que Fulano A foi declarado inelegível, e Fulano B, que no imaginário popular é até pior, não. É porque a Lei da Ficha Limpa, na rapidez com que foi deliberada, em alguns casos, acabou sendo mais mole que a lei anterior.

ÉPOCA – Na disputa presidencial, há muita campanha negativa, com troca de acusações e pedidos de direitos de resposta. Como a Justiça Eleitoral deve agir para separar a inverdade do debate legítimo?
Dias Toffoli – Você não deve permitir nem mentira deslavada nem a calúnia. As críticas não podem avançar além desses parâmetros. Essas eleições vão até com bastante calma. É a sétima eleição presidencial desde a redemocratização e, no dia a dia das cidades, nem parece que há eleição. Felizmente, as leis e a atuação da Justiça Eleitoral acabaram com aquela sujeirada que eram as campanhas, com cartazes, colagens e outdoors feios. As discussões também se dão mais no nível das propostas. Isso mostra um amadurecimento cada vez maior da democracia brasileira.  Quando as discussões vão para um nível mais baixo, a população reage e não gosta.

ÉPOCA – O TSE é um tribunal peculiar, porque é composto de ministros do STF e do STJ, mas também por advogados que já atuaram na defesa dos partidos políticos. O senhor mesmo foi advogado do PT antes de entrar para a magistratura. Isso não cria um conflito de interesses?
Dias Toffoli – José Paulo Sepúlveda Pertence presidiu o Supremo por duas vezes e foi advogado do Lula. Nelson Jobim presidiu a campanha de 2002. Um ano antes, ele teve, como padrinho de casamento, José Serra, que disputou a eleição com Lula. Nem o fato de o Lula ter tido um advogado no passado que se chamava José Paulo Sepúlveda Pertence nem o fato de José Serra ter sido padrinho de casamento e amigo de Nelson Jobim fizeram com que nenhum dos dois decidisse algo X ou Y em razão dessas relações. Hoje, o TSE tem a mim, que fui advogado-geral da União no governo Lula e, como vice-presidente, o Gilmar Mendes, que foi advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso. Estamos aqui todos para julgar de acordo com as leis do país, com total isenção e independência.

ÉPOCA – O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa já criticou a presença dos advogados na composição do TSE...
Dias Toffoli – O ministro Joaquim Barbosa renunciou a um mandato aqui no TSE. Talvez, ele não tenha gostado da Justiça Eleitoral. Eu gosto. Os advogados, da mesma forma, são totalmente independentes e isentos. Até porque voltam ao mercado e não podem voltar estigmatizados. A presença desses advogados como juízes é fundamental para a Justiça Eleitoral, porque todos estão aqui de passagem. Há de ter alguém com a memória, a história das decisões e da jurisprudência. Só quem atua aqui continuadamente tem esse conhecimento.
Fonte: Por GUILHERME EVELIN, revista Época

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