quinta-feira, 19 de junho de 2014

História de que inventamos a corrupção pegou!’


Com a cara exposta numa janela aberta para a internet, o ministro Gilberto Carvalho desenvolveu um raciocínio com aparência de epílogo de uma era: “A coisa desceu! Isso que foi gotejando, água mole em pedra dura, esse cacete diário de que nós inventamos a corrupção, que nós aparelhamos o Estado brasileiro, que nós somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar, essa história pegou! Na classe média, na elite da classe média. E vai gotejando, vai descendo!”

Gilbertinho, como o ministro é chamado na intimidade, falava para sua tribo, composta de bloqueiros e ativistas companheiros. Num raro rasgo de sinceridade, discordou de uma tese que Lula vinha propaganda desde o final de semana. “Me permitam, pessoal! No Itaquerão não tinha só elite branca, não!”, disse ele. Espanto! Pela primeira vez, um petista de mostruário admite que o coro do estádio —“Dilma, vai tomar no cu!”—pode incluir vozes do povo. Pasmo!!...

O ministro contou que foi aos arredores do Itaquerão. Assistiu ao Brasil X Croácia numa escola. “Fui e voltei de metrô”, ele fez questão de informar. “Não tinha só elite no metrô, não. Tinha muito moleque gritando palavrão dentro do metrô, inclusive, [gente] que não tinha nada com elite branca.” Esputefação!!!

A ideia de que o melado produzido nos quase 14 anos de PT no poder escorreu para o subconsciente do brasileiro em conta-gotas —descendo das camadas mais aquinhoadas para os estratos menos abastados, numa espécie de distribuição social do INPI, índice nacional de promiscuidade institucional— é de uma plasticidade cinematográfica. Coisa digna de um Fellini.

As palavras do ministro potencializaram a impressão de que o PT não protelou o seu crime, protelou apenas a culpa. Em tempos remotos, os herois do PT levavam a virtude no coldre. Numa época em que Sarney e Collor eram apenas bandidos, os petistas eram os mocinhos. Distribuíam rajadas de ética sob aplausos da mídia, que ainda não era golpista.

Ao desbravar as fronteiras do poder, o PT viveu o seu ritual de passagem para a decadência de um mundo seminovo. Sarney e Collor viraram aliados. O cinismo tornou-se uma arma de sobrevivência tão defensável quanto o revólver moral. E a mídia virou uma força do atraso, incapaz de compreender que, em nome do progressso, convém que o disfarce prevaleça sobre a culpa.

Gilbertinho voltou no tempo: “Nós fizemos uma escolha lá atrás. Você tinha dois caminhos. Um caminho era construir o poder popular e depois disputar a eleição. Me lembro do velho Plínio [de Arruda] Sampaio dizendo: ‘O Lula não deve ser candidato, não podemos ganhar a eleição, porque nós não temos correlação de forças para governar o país’. Nós fizemos uma escolha dialética: vale a pena ocupar os espaços, começar a democratizar os espaços…”

Quer dizer: para alcançar o Brasil moderno, o PT teve de se aliar ao Brasil arcaico. O diabo é que a mídia —sempre ela— não soube valorizar os herois desbravadores, que assumiram todos os riscos da conquista para, ao final, presentear a sociedade com um país mais justo. O PT estava muito ocupado em fazer história para compreendê-la. Preocupado em salvar o país de si mesmo, o partido descuidou do seu maior inimigo.

“Não fizemos o debate na mídia pra valer”, penitenciou-se Gilbertinho. “Passamos esse tempo todo com uma pancadaria diária, que deu resultado. Essa pancadaria diária é o que resulta no palavrão pra Dilma, lá no Itaquerão.” O ministro não disse, mas, se é verdade que “no Itaquerão não tinha só elite branca”, o PT tem um problema novo para resolver: o povo.

Gilbertinho se absteve de declarar, porque é uma tese impopular, mas está muito claro que o povo brasileiro continua se comportando muito mal. Como pode se deixar levar pela mídia? É notória a incapacidade política do povo. O próprio ministro concordou com a tese de um dos companheiros presentes à reunião de que a maioria dos congressistas, dos governadores e dos prefeitos é “de direita”. O povo não sabe votar.

“Do ponto de vista da governabilidade institucional, nós somos uma estrondosa minoria”, constatou Gilbertinho. Que diabo, o governo não deu o Prouni e o Pronatec ao povo para que ele utilizasse sua educação lendo jornais e revistas “de direita”. Se não fosse tão estúpido, o povo teria discernimento para compreender que as manchetes mentem. A cúpula do PT foi recolhida à Papuda em nome de uma causa.

Gilbertinho ainda não entregou os pontos: “Nossa capacidade de articulação com a sociedade é o único caminho capaz de compensar, de alguma forma, essa correlação de forças desfavorável no plano institucional.” Mas ele reconhece: “…Essa eleição, agora, vai ser a mais difícil de todas, porque ela enfrenta exatamente o resultado desse longo processo. E a correlação de forças vai ficando cada vez mais complicada pra gente.” O povo é mesmo imprevisível. O povo é um perigo.
Fonte: Blog do JOSIAS DE SOUZA 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.