domingo, 2 de novembro de 2014

Plano de Cingapura em xeque


O Projeto Brasília 2060, elaborado pela Consultoria Jurong ao custo de R$ 12 milhões, corre o risco de ser descartado pelo futuro governo. Em avaliação preliminar, equipe de Rollemberg considera que a iniciativa em nada acrescenta à capital federal

Agnelo Queiroz definiu a contratação da Jurong Consultants, de Cingapura, durante missão realizada na Ásia em 2012: uma das críticas ao plano é a indefinição acerca dos financiadores.

Sete mil páginas na gaveta e R$ 12 milhões de verba pública desperdiçados. Esse deve ser o saldo da contratação da Consultoria Jurong, de Cingapura, pelo governo Agnelo Queiroz (PT). ...

Embora a equipe de transição do futuro governo de Rodrigo Rollemberg (PSB) fale em analisar o estudo, o discurso preliminar é de que o plano apresentado pelos asiáticos tem lacunas e não reserva melhorias para Brasília. “Estivemos na apresentação do projeto, e a primeira impressão, que não é definitiva, é a de que ele não acrescentou nada. É uma colagem malfeita de ideias e de projetos já existentes”, adiantou Hélio Doyle, coordenador da transição.

A desconfiança com o denominado Projeto Brasília 2060, elaborado pela consultora de Cingapura, vem desde 2012, ano em que Agnelo voltou de uma missão na Ásia e, três meses depois, assinou o contrato com a Jurong (veja Cronologia). Houve dispensa de licitação, sob a alegação de que o projeto era singular e precisava de um órgão com a capacidade técnica e profissional como a da Jurong. O resultado foi o rompimento de Rollemberg com o governo petista local no mesmo ano. Na ocasião, o secretário de Assuntos Internacionais, Odilon Frazão, ligado ao PSB, se mostrou contrário à posição do partido e continuou com Agnelo.


"A gente continua entendendo que esse projeto precisa ser mais debatido. Até hoje, o GDF não fez ampla divulgação do trabalho. Não temos nem como emitir opinião porque não sabemos com profundidade do que se trata. Mas estamos abertos para ver o projeto e auxiliar nos debates com o próximo governo sobre temas importantes para a cidade" 
Alberto de Faria, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF

Vinte dias depois da assinatura do contrato, em 2012, Cristovam Buarque (PDT) e Rollemberg discursaram no plenário do Senado sobre a suposta falta de transparência do contrato assinado pelo GDF e pela escolha de uma empresa estrangeira sem licitação e sem consulta de profissionais brasileiros. Rollemberg afirmou que pediu ao GDF cópia do contrato e, duas semanas depois, não tinha recebido. “O que tem esse contrato? Por que, muito rapidamente, um governo que se diz transparente não o encaminha imediatamente?”, questionou, à época.

À frente de toda a relação com a Jurong, Odilon Frazão chegou a procurar os senadores Cristovam e Rollemberg. “Fui explicar que o plano não era urbanístico para o Plano Piloto, era econômico, e que essa proposta era importante para o futuro de Brasília. O setor público não vai conseguir absorver a mão de obra que não para de crescer. Não é vontade ideológica, mas necessidade”, aponta.


"Fui explicar (aos senadores Cristovam Buarque e Rodrigo Rollemberg) que o plano não era urbanístico para o Plano Piloto, era econômico, e que essa proposta era importante para o futuro de Brasília. O setor público não vai conseguir absorver a mão de obra que não para de crescer. Não é vontade ideológica, mas necessidade" 
Odilon Frazão, secretário de Assuntos Internacionais

O resultado do trabalho da Jurong foi apresentado em julho do ano passado pelo governo Agnelo. Com o projeto elaborado, uma das principais críticas da equipe de Rollemberg ao planejamento da consultoria é a de que o plano não deixa claro como e quem financiará as obras. Ele apenas aponta que custará R$ 235 bilhões até 2060.

Pela proposta apresentada, o plano de desenvolvimento na capital ocorreria por meio de quatro eixos: a construção de uma cidade aeroportuária em Planaltina; a instalação de um polo logístico entre Samambaia e Recanto das Emas; a ampliação do Polo JK, em Santa Maria; e a execução de um Centro Financeiro Internacional, próximo a São Sebastião. “Foi um projeto caro, que poderia ter sido mais barato e feito por pessoas de Brasília. Além disso, não traz respostas como, por exemplo, como será o financiamento”, afirma Hélio Doyle.

Fora da campanha
Embora polêmica, a contratação da Jurong não virou tema na corrida ao Palácio do Buriti. Os adversários de Agnelo pouco questionaram o assunto, e o próprio governador evitou falar da consultoria temendo os ataques. Parte disso se deve ao fato de que o PSB fazia parte do governo na época. A contratação da Jurong foi feita pela Terracap e, antes da assinatura, houve uma consulta ao conselho da empresa pública. Um dos nove conselheiros era Marcos Dantas, presidente do PSB-DF, e a aprovação do documento ocorreu enquanto ele estava na Terracap. Um mês depois do anúncio do contrato, Dantas pediu para deixar o conselho.

Caso permanecesse no Governo do Distrito Federal, Agnelo pretendia realizar audiências públicas, regular as demandas, captar investimentos e, só então, começar a fase da execução. Odilon Frazão ainda defende a importância do projeto. “Há uma crítica no Brasil de que não existe planejamento. Agora, temos um projeto próprio. Descobrimos o que o investidor quer, por isso, o estudo. Não adianta criar zonas econômicas por decreto, temos de saber as vocações locais e desenvolvê-las”, argumentou o secretário de Assuntos Internacionais.

Entre os principais críticos do projeto, representantes do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF ainda abordam com cautela a consultoria da Jurong. “A gente continua entendendo que esse projeto precisa ser mais debatido. Até hoje, o GDF não fez ampla divulgação do trabalho. Não temos nem como emitir opinião porque não sabemos com profundidade do que se trata”, afirmou Alberto de Faria, presidente da entidade. “Mas estamos abertos para ver o projeto e auxiliar nos debates com o próximo governo sobre temas importantes para a cidade, como o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico (PPCub)”, complementa.


Planejamento
A Jurong Consultants é uma empresa estatal de Cingapura. Foi responsável por fazer o planejamento dos últimos 30 anos no país. No Brasil, ela foi contratada no governo de Aécio Neves para fazer o projeto de desenvolvimento do corredor Belo Horizonte-Confins. O valor do contrato assinado chegou a R$ 19 milhões.

Custo
O valor do contrato com a Jurong alcançou US$ 4,25 milhões. Com a variação cambial e os 27% de impostos cobrados pela Receita Federal, a cifra final chegou a R$ 12 milhões.


Cronologia

2012

19 de julho — Agnelo Queiroz visita a Jurong Consultants, em Cingapura, durante missão na Ásia. A viagem começou nos Emirados Árabes e passou por Xangai, na China.

3 de outubro — O governador, por meio da Terracap, assina o contrato com a Jurong para a consultoria elaborar o Projeto Brasília 2060.

11 de outubro — O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal envia ofício ao GDF e pede esclarecimentos sobre a contratação da Jurong para elaborar planejamento estratégico e urbano.

22 de outubro — O Instituto dos Arquitetos do Brasil no DF escreve carta com críticas à contratação da consultoria de Cingapura. Cristovam Buarque (PDT) e Rodrigo Rollemberg (PSB) vão à tribuna do Senado para criticar a falta de transparência do contrato assinado pelo governo Agnelo. O pedestista ressalta o fato de o GDF ter celebrado contrato com um país declarado paraíso fiscal pela Receita Federal.

29 de novembro — Nove executivos e analistas da Jurong Consultants visitam a Companhia de Planejamento do DF.

2013

12 de abril — A Jurong entrega a primeira parte do relatório para o GDF.

2014

27 de junho — O projeto elaborado pela Jurong é apresentado ao GDF.
Fonte: Correio Braziliense.

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