terça-feira, 22 de abril de 2014

A esquerda que se diz autêntica busca opções

Após chegar ao Planalto apoiado por esquerdistas de toda sorte, o PT enfrentará ex-aliados que dizem representar melhor antigas bandeiras

Em 2002, tudo era mais simples. O petista Luiz Inácio Lula da Silva tentava colocar um fim na era do PSDB no poder, com a ajuda de quase todo tipo de esquerdista. ...

Disputou o segundo turno contra o tucano José Serra, com o apoio de PSB, PPS, PDT, PCB, PCdoB e PV. Venceu e reforçou a divisão que já se construía no país. Se a esquerda vencera, os perdedores só podiam ser a direita. Tal resultado mudou o destino dos tucanos. Fundado por Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e pelo próprio Serra – todos expoentes da luta contra a ditadura militar (1964-1985) – e com o termo “social-democracia” estampado em seu nome, o PSDB foi empurrado para a direita na política nacional. Até que veio 2010, Marina Silva embaralhou o cenário, e o que era simples ficou complexo – e mais competitivo.

Na última eleição presidencial, a ex-senadora e ex-petista Marina foi a novidade. Pediu licença para entrar, empurrou discretamente a candidata governista Dilma Rousseff (PT) com o ombro e ocupou parte do espaço esquerdista do pleito. Então candidata pelo PV, com um histórico de militância a favor de causas identificadas com a esquerda, Marina ameaçou a polarização PT-PSDB e ajudou a levar aquela eleição ao segundo turno. Quatro anos depois, esse quadro se acentuou. Em 2014, pela primeira vez desde sua fundação, em 1980, o Partido dos Trabalhadores inicia uma campanha presidencial levemente deslocado para a direita. Diante de alianças que reúnem antigos aliados, deverá ser alvo de repetidas e organizadas críticas de tradicionais integrantes da esquerda brasileira.

A mudança foi proporcionada pela união de Marina com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, partido egresso da aliança em torno de Lula e do PT. O acordo entre Rede e PSB criou uma frente que se autodenomina Esquerda Ética ou Frente Progressista. Ela se reú­ne sistematicamente para traçar um projeto alternativo ao petista – e alinhavar acordos eleitorais. Fazem parte os grupos dos deputados federais Roberto Freire (PPS-SP), Walter Feldman (Rede), Miro Teixeira (PROS-RJ) e Luiza Erundina (PSB-SP), além dos “marineiros” (nome dado aos adeptos das ideias de Marina Silva) e de líderes do Partido Verde. No âmbito nacional, todos devem caminhar sob a liderança de Campos, o candidato a presidente pelo PSB, e de Marina, provável candidata a vice, fundadora da Rede e atualmente filiada ao PSB. O PPS já anunciou formalmente o apoio à candidatura Campos-Marina, num rompimento da aliança com os tucanos que vigorou em 2006 e 2010. O PV ensaia uma candidatura própria ao Planalto, mas também negocia uma adesão à candidatura Campos-Marina.

A Frente Progressista pretende fazer na campanha uma “crítica pela esquerda” à candidatura da presidente Dilma à reeleição. Para isso, reúne-se regularmente em São Paulo. “Já tivemos quatro encontros, e todos foram muito proveitosos”, diz Célio Turino, porta-voz da Rede na capital paulista – além de ex-militante do PCdoB, do PT e do PV. “É bom poder rever alguns amigos e trabalhar com gente que, em eleições passadas, esteve em outros projetos e agora está junta.” Em 2010, Turino estava com Dilma, assim como Luiza Erundina e o PSB. Freire e o PPS apoiaram a segunda candidatura de José Serra pelo PSDB, partido em que militava Walter Feldman. No combate à ditadura, estiveram todos do mesmo lado. Entre eles, o vereador paulistano Gilberto Natalini, pré-candidato do PV ao Palácio dos Bandeirantes e assíduo participante das reuniões da Esquerda Ética. “Nosso encontro mais recente foi no sindicato dos padeiros. Avançamos muito.”

O nome do grupo, diz Natalini, é um contraponto ao PT após o escândalo do mensalão, que condenou à prisão o ex-ministro José Dirceu e outros petistas históricos. “O trato com o dinheiro público, com a coisa pública, sempre foi algo sagrado para a esquerda brasileira. Mas o PT jogou tudo isso fora. Queremos assumir o compromisso de recuperar essa dignidade”, afirma Natalini.

O PT diz não se assustar com a movimentação de ex-aliados e reafirma, para quem quiser ouvir, que a verdadeira esquerda ainda é aquela que chegou ao Planalto há 12 anos. “Eles não têm inserção sindical, inserção nos movimentos sociais brasileiros. É uma tentativa do velho de se colocar como novo, ao tentar colocar uma roupa nova”, afirma o deputado federal Paulo Teixeira, do PT de São Paulo. “Falta uma formulação política a Eduardo Campos. As sinalizações que ele tem dado são mais para a oposição brasileira, não para a esquerda. A presença do PPS no grupo demonstra uma forte ligação desse projeto com as oposições do PSDB, de FHC. O PPS tem profundas ligações com FHC e José Serra. Não vejo uma novidade para a esquerda.”

Em torno de Natalini, ensaia-se uma aliança que pode colocar o PV no barco de Campos e Marina. Em troca do apoio de Campos a Natalini em São Paulo, o PV pode abrir mão da candidatura de Eduardo Jorge a presidente e aderir à chapa nacional PSB-Rede-PPS. Caso não dê certo, a frente sonha com Luiza Erundina ou o advogado Pedro Dallari (PSB) para a disputa do governo paulista. Outra possibilidade envolve Feldman (Rede-PSB) na cabeça da chapa. Se Campos decidir apoiar a reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB), algo que Marina não aceita, a Rede deverá ficar livre para apoiar Natalini ou até mesmo o filósofo Vladimir Safatle (PSOL). Em termos de programa, a esquerda antipetista debate propostas típicas de governos passados, especialmente nas áreas de educação, saúde e cultura. Uma delas é o modelo de alfabetização de adultos do educador Paulo Freire, adotado pelo governador de Pernambuco Miguel Arraes nos anos 1960. Os ex-aliados do PT acreditam que, diante do recente aumento da taxa de analfabetismo no Brasil, a educação deverá ser um tema decisivo no pleito de outubro. Pretendem derrubar o PT com antigas armas petistas.
Fonte: ALBERTO BOMBIG E ALINE RIBEIRO, COM LEOPOLDO MATEUS revista Época

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